Ele foi o amor da vida dela, ele seria para sempre o amor da vida dela. Havia oito anos que tinham acabado o namoro e há seis anos que ela começara a sonhar com ele de noite, com ele a regressar, com ele a abracá-la, com eles juntos, mas ele não regressava, talvez ele já nem se lembrasse dela...
Nesses dias, depois de tais sonhos, ela sofria, dias longos de tristeza e angústia, alternados com os dias normais e quase felizes em que não sonhava com ele.
Cansada de se sentir presa, ela teve uma ideia, um antídoto talvez perfeito em forma de duas cartas. Tinha que fazer a experiência.
Num dia normal, em que se sentia feliz, ela escreveu uma carta, dela para ela própria, para aquele dia que viria em que ela acordaria novamente despedaçada pela ausência dele.
Nessa carta, exaltando o seu valor como mulher dedicada que fora, ela escreveu todas as falhas dele, tudo o que se lembrava que a magoou, todas as vezes que ele a comparou com as outras mulheres mais bem vestidas, com cabelos arranjados ou pintados, todas as vezes que ele a tentou mudar para ser outra, ela escreveu o quanto ele pensava só nele, o quanto ele se esquecia de lhe dar atenção, o quanto ela o amava e em troca recebera nenhum valor.
O dia triste chegou, mais uma noite a sonhar que ele a amava e se entregava a ela, acordou com lágrimas nos olhos. Levantou-se, abriu a janela, foi buscar a carta que ela escrevera para si, sentou-se no chão da varanda ainda em camisola e calções de dormir e leu-a para si. No fim da carta dizia:
"Se o queres continuar a odiar então guarda de novo esta carta e lê-a sempre que acordares triste. Mas para seres feliz tens que tirar esse ódio de dentro de ti, se quiseres tentar, então responde a esta carta, escreve tudo o que te lembrares de bom nele."
Encostada às portadas da varanda, ainda sentada no chão, com os olhos postos no mar e no horizonte, com o sol a aquecê-la, ela pensou naquela frase durante vinte minutos. O mar com a luz do sol a incidir-lhe fazia lembrar-se dele, era quase tão poderoso como a cor dos olhos dele. Finalmente mais calma ela tomou uma decisão, responder.
Na resposta ela escreveu:
"Ele era igual a mim, gostávamos das mesmas músicas, dos mesmos filmes, até dos mesmos cantos do Planeta, dos mesmos heróis, das mesmas estações do ano, das mesmas pessoas... Éramos tão perfeitos um para o outro. Tão felizes. Ele era amigo de toda a gente e bom para os animais. Ele não sentia inveja de ninguém, nem guardava rancor de quem lhe fazia mal. Era bondoso, generoso, modesto, tinha um enorme coração e ele protegia-me ferozmente de quem fosse preciso. Era o homem mais divertido que alguma vez conhecera, fazia-me rir em qualquer situação. Tinha os olhos mais verdes que qualquer mar salgado. Tinha um sorriso honesto e vulnerável. Tinha um abraço forte e quente. E tinha uma particularidade que eu adorava, sempre que me abraçava, apertava-me tão forte, que lhe faltava o ar, e logo a seguir sentia necessidade de bocejar para inspirar ar porque nem conseguia suspirar. Ele foi, sem dúvida, o homem que mais me fez feliz e que mais me amou."
Quando acordou no dia seguinte, sentia-se normal, então leu a segunda carta. Foi então que ela percebeu.
Ele não era perfeito, não era o Principe Encantado, não podia exigir a perfeição dele, porque tal não existe. Ela amou-a o melhor que soube. Mas, por alguma razão, o destino optou por separá-los.
Agora, depois de ter lido a segunda carta, ela percebera que tinha que perdoar-se por não ter sido capaz de o manter e perdoá-lo por ele não a ter conseguido amar para sempre.
Ela sentia finalmente a força e a coragem para seguir em frente. Talvez jamais o voltasse a ver, ou quem sabe, ele um dia, estivesse no mesmo sítio que ela novamente. Mas por agora, só importava o presente, e ela sentia-se finalmente em paz.
Sentia outra vez o desejo, o medo e a coragem, que lhe permitiam abrir, novamente, o seu coração.
S.R.