Este blogue é um ponto de encontro com amigos desconhecidos que se reconhecem nas palavras e nos gestos, aqueles por vezes tão comuns que deixamos de reparar, até alguém nos voltar a falar deles, como se fosse a primeira vez.

Música

31 de dezembro de 2020

Gratidão

  

Muitas vezes associamos a mudança de ano com o virar de uma página. Sentimos aquela vontade de melhorar o que não gostamos, isso é bom, devemos sentir-nos bem connosco, felizes, independentes e capazes de sermos pessoas sempre melhores.

A nossa vida é como um livro, uma história cheia de mudanças, cheia de desvios, e ao longo do nosso percurso há páginas que vão ficando a mais, às vezes demoramos a percebê-lo, outras vezes simplesmente temos medo de aceitá-lo. Essas páginas podem ter sido demasiado importantes um dia, mas isso não significa que algumas não sejam uma âncora presa no profundo do nosso oceano interior, que nos impede de libertar para outras possibilidades, ou até mesmo para nós próprios. Essas páginas fazem parte da nossa história, do que somos, do que nos tornámos, mesmo que só as quiséssemos arrancar.

Pode ser uma página a mais ou um pequeno desvio que não tem razão de estar ali, um desvio que nos impede de chegar ao caminho principal. Não tem mal recuar no desvio para regressar ao nosso caminho principal, às vezes é necessário voltar atrás para continuarmos. Mas se mudarmos a direcção, será mesmo voltar atrás? Ou será que não passamos a seguir em frente para outro lado?

É preciso determinação para virar qualquer página na nossa vida, mas para nos permitirmos virar as páginas mais difíceis é preciso CORAGEM.
Coragem para voltar a lê-las como se um estranho de nós próprios fossemos.
Coragem para aceitar que as devemos virar.
Coragem para acreditar que sem elas podemos viver INTEIRAMENTE e sermos nós próprios.

2020, foi um ano "que desejamos esquecer", um ano assustador... Mas podemos tirar algo de positivo de tudo o que passámos, percebemos o valor que a vida tem, o valor da família, dos filhos, dos pais, o quanto nos esquecemos uns dos outros todos os dias e o quanto os outros merecem atenção, o quanto precisamos todos uns dos outros. Independentemente da religião, da raça, da crença, da cultura, somos todos Humanos, sentimos, sorrimos e choramos; incluindo os Animais que não são considerados Humanos, também eles são como nós, sentem, riem e choram. Se compreendermos isso, compreendemos o essencial.
 
Se sentirmos Gratidão, por podermos passar pela vida (porque não somos eternos), por existirmos, por vivermos neste Planeta maravilhoso, pela Natureza, pelo ar que respiramos, por termos tido o privilégio de sentir, de chorar e de sorrir, de descobrir o Mundo e pessoas maravilhosas. Com gratidão seremos mais felizes, mais completos, verdadeiramente livres dentro. Por isso viremos a página sem nunca esquecer o que este ano nos ensinou, a ser gratos à vida, a nós e aos outros.

Feliz 2021! 💗

Beijos a todos e obrigada! 💗

S. R.

24 de dezembro de 2020

Feliz Natal

 A todos os meus queridos amigos um Feliz Natal cheio de amor, saúde e alegria ❤️



Beijinhos grandes 😘❤️🎄

9 de dezembro de 2020

Volta para Mim - III

 


“Se abrimos uma porta e não vemos o que procuramos, 

não desistimos, porque o que não está à primeira vista,

pode estar, simplesmente, ao rodar de mais uma maçaneta”

S.R.

 

Depois de ler a carta perguntava-se como poderia saber se ele ainda estaria vivo… Dois anos depois de ele a ter escrito, sem mais notícias… E quem teria entregue a caixa aos pais dele. Tinha que ir perguntar. Voltou a ler a carta, releu e releu, até que num instante de perfeita lucidez parou no “P.S.”. Naquele momento, houve uma esperança, uma palpitação no peito, havia ali uma mensagem para ela… que só ela entenderia. Enfiou a carta no bolso e saiu de casa a correr jardim fora.

Quando eles tinham dezasseis anos, ao passarem no parque, encontraram alguns pedaços de casca de árvore no chão, e tiveram uma ideia, fazer uma cobertura secreta na pequena abertura no tronco da árvore secular. Quando chegaram a casa dela, pegaram na mais parecida e deram-lhe a forma da abertura para que encaixasse e ninguém reparasse.

Guardaram algumas coisas lá dentro, só tinham que dar um jeitinho para rodar a casca e ela saía. A mensagem tinha que ser isso. Quando chegou ao pé da árvore e viu a velha casca, já de cor diferente, sorriu. Tantos momentos juntos, tantas gargalhadas, e beijos roubados, às escondidas dos pais, atrás daquele tronco…

Há anos que não abria aquilo... Rodou a casca e retirou-a devagar. Espreitou para dentro, olhar para aquelas coisas ali dentro era um reviver de momentos insubstituíveis… Como a mistura dum sorriso e duma lágrima, um arco-íris tão lindo que em pouco tempo voltaria a desaparecer…

Continuava tudo igual, tudo o que tinham lá posto… Mas… olhou melhor… menos uma coisa, havia uma coisa atrás de tudo, que não reconhecia... Enfiou o braço e retirou-a. Era uma noz, estava fechada com cordel, tinha um papel amarrado: “Se a vires, não abras! Espera. É uma promessa. Amo-te”. Estava confusa… E se ele não voltasse? Mas ele podia voltar… Guardou a noz novamente no fundo e pôs a casca na árvore. Sentou-se ali na erva, encostada ao tronco, e pensou: “Porquê mandá-la à árvore se não podia abrir a noz? E porquê uma noz? Será que tinha entendido a mensagem?...”

Pegou na carta e voltou a ler o fim: “P.S. - Cuida dessa árvore da caixa, da mesma forma como fazias com a nossa árvore, quando queríamos manter os nossos segredos seguros.”

E se ele não a estava a mandar ir à árvore, mas sim àquela árvore que esculpiu? Talvez houvesse alguma coisa escondida na caixa, alguma divisória…  

Por dentro não havia espaço para divisões escondidas… Por fora era só mesmo a árvore esculpida, com um círculo que a contornava… não tinha reparado nele… Tentou levantar mas nada… Tentou rodar mas não se mexia. Inconformada foi à cozinha buscar duas facas e prendeu uma de cada lado nos ramos da árvore a ver se poderia rodar assim. Ao fazer força com as duas ao mesmo tempo, sentiu qualquer coisa, o círculo estava a mexer, ele mexia! Continuou com mais força ainda, até que ele começou a rodar e duas voltas depois saiu. O compartimento só tinha um ou dois milímetros de altura mas era o suficiente para guardar um pequeno papel.

O coração dela batia forte e acelerado como o som duma manada de cavalos selvagens a galopar nas montanhas, ouvia o próprio eco dos batimentos como se fossem ferraduras a bater em terra dura.

Abriu o papel. Lá dentro havia números… Mas que números eram aqueles… Não eram suficientes para um telefone… Tinha um número  e uma vírgula, por baixo outro número, seria um endereço?? Nada fazia sentido, mas tudo parecia conspirar para que a esperança ressuscitasse. Ah… Mas ela tinha medo, tanto medo de ter esperança…

Saiu de casa a correr, de papel nas mãos, o corpo todo a tremer… Não podia ser ele, senão porque não teria ido lá ele, bater-lhe à porta?

Chamou um táxi e repetiu os números do papel, assumindo que o primeiro seria o da rua e o segundo a porta. Vinte minutos depois o táxi parou. Ela pagou e saiu. Ficou parada a olhar para a porta. Seria aquilo? Seria realmente uma morada? Não parecia a porta duma casa. Não via telhados nem tectos, apenas uma parede cheia de folhas a rodear uma porta verde. Aproximou-se devagar… Sentia uma mistura de tudo… ansiedade, medo, desespero, mas principalmente, confusão.

Bateu à porta. Mas o que ia dizer? Do lado de lá ouviu passos, de quem seriam? A porta abriu, ela não reconheceu o rosto do homem, já ia mostrar o papel com os números quando percebeu que ele a conhecia, quando ele lhe sorriu genuinamente e a convidou a entrar.

Era um jardim, ao fundo uma pequena casa recuada. Convidou-a a sentar-se numa mesa no jardim e começou a falar.

- Pareces confusa, deves estar cheia de perguntas neste momento. Conheci-te da foto dum amigo. O teu namorado. Eu consegui fugir. Foi terrível e longo até conseguir voltar cá mas consegui, e prometi-lhe que te entregaria a caixa. Ele receava que pudesses ter casado ou mudado de casa, pediu-me que entregasse a caixa que te fez aos pais dele e uma carta para eles, que fizessem tudo para terem a certeza que a caixa chegaria às tuas mãos. Pelos vistos conseguiram, muito mais rápido do que imaginei. Eu não soube mais dele, mas estou a cumprir uma promessa que lhe fiz, procurar-te e contar-te tudo. Enquanto prisioneiros não tivemos forma de avisar o nosso País que estávamos vivos. Alguns anos depois, não podia mais viver assim, não tinha nada a perder, a não ser ganhar a minha liberdade, mas podia salvar os meus amigos, então arrisquei, aventurei-me, planeei meses e consegui fugir, viajei e andei escondido meses, sem dinheiro, sem nada, foram meses horríveis mas consegui voltar a casa e consegui avisar o Governo. Já se passaram quase dois anos desde que fugi e consegui regressar, não sei quem poderá ainda estar vivo, mas o nosso Governo já está em negociações com eles, numa troca de prisioneiros. Vão ser libertados em breve, todos os sobreviventes, mas deves manter isto entre nós, não é suposto eu contar a ninguém… diplomacias...

- Obrigada. Espero que ele volte… Esta carta tem dois anos… Obrigada… Se souberes mais alguma coisa liga-me para este número por favor. – e escreveu o número dela num pedaço do papel com a morada e deu-lhe.

- Prometo que sim. Ele salvou-me uma vez de levar um tiro… É um irmão para mim agora. Ele só não fugiu comigo por medo de ser morto, porque voltar para ti era o que ele mais queria. Nem no campo de batalha largava a vossa foto, eras o amuleto dele. Só nos resta esperar.

- Obrigada…

Ela agradeceu e despediu-se. Mal passou a porta verde, as lágrimas correram-lhe pelos olhos. Não conseguia chamar um táxi, decidiu correr o mais que podia, até não poder mais… Quando chegou a casa, talvez uma hora depois de ter ouvido toda aquela informação. Abraçou o Pipo e deitou-se ao lado dele no sofá.

Será que ele estava vivo? Quanto mais tempo teria que esperar? E que promessa seria aquela dentro duma noz?...

Estava perdida nos pensamentos, acabou por adormecer ali mesmo agarrada ao cão enquanto anoitecia… O telefone começou a tocar... Sobressaltada, olhou para o relógio, era quase meia-noite... Levantou-se a correr. Quem seria àquela hora?


S. R.

17 de novembro de 2020

Volta para Mim - II

Ler também: Capítulo I
 


“Nem todas as guerras do Mundo são para confrontar o inimigo, às vezes temos que nos enfrentar a nós próprios, à verdade dentro de nós, perceber se queremos ganhar ou perder essa guerra, para, finalmente, voltarmos a ter paz”

S.R.

 

Mas não conseguiu olhar e voltou a fechar… Que mais precisava ela para ter coragem? Era tão difícil explicar a quem nunca sentiu o mesmo, como era deitar-se todos os dias na cama e chorar até adormecer, sozinha, sem ele, sem uma verdadeira despedida, um último abraço, um último beijo. Se o amor eterno era assim, doía demais…

Deitou-se agarrada à caixa, como se ali estivesse a última palavra dele, o último abraço, o último beijo, como se pudesse prolongar aquela sensação. Pelo menos mais uns minutos… Pelo menos mais uns minutos a acreditar que ele podia estar vivo, em algum lado, a pensar nela, à espera dela…

Fechou os olhos, as lágrimas corriam, como nascentes a inundar caudais de rios atormentados há anos, até àquele mar onde tudo continuava igual… Sem um porto seguro para se aconchegar, apenas uma âncora a puxá-la para o fundo das águas escuras, iluminadas apenas por segundos pelos relâmpagos que caíam, e ondas tortuosas que a faziam girar e girar, sem a deixarem encontrar um caminho seguro, sem a deixarem seguir em frente…

Uns minutos depois, as lágrimas pararam e sentia o peito mais leve, sentou-se, limpou as lágrimas e, sem pensar duas vezes, levantou a tampa com a árvore esculpida.

Assim que a tampa abriu, ela ficou sem palavras, sem ar para emitir qualquer tipo de som, incapaz de fazer vibrar qualquer corda vocal… A caixa tinha sido esculpida por ele… Agora ela percebia a árvore na tampa, ao ver no interior a mesma frase que no bilhete… ”Aconteça o que acontecer, o que nos une é eterno”, ali esculpida… A árvore na tampa, era igual à que estava no jardim dela há centenas de anos… A mesma onde um dia ela se escondeu dele, e ele apareceu de repente, sem sorrir, com aquele olhar sério nos olhos dela que a deixou sem fôlego, a encostou devagar contra o tronco, e a beijou, pela primeira vez…

Ele tinha feito uma caixa para ela… Mas quando? E porque lha davam agora?

As respostas difíceis talvez estivessem lá dentro… Havia uma pulseira em cima dum papel branco. Ela pegou na pulseira e enfiou-a no pulso, tinha minúsculas flores azuis secas e pequeninos búzios entrançados num fio, de onde seria? Teria algum significado?... Pegou no papel branco e virou-o, era uma foto…

Ao ver aquela foto sentiu um aperto no peito, aquela imagem era intensa demais… Era a primeira vez que via uma foto deles, juntos. Estavam no alpendre da casa dele, o Pipo ainda bebé, no meio deles ao colo.

Lembrava-se tão bem daquele dia, agora a memória ainda mais viva com aquela foto, parecia ontem… O pai a entrar em casa de cão ao colo, ela incrédula pegou naquela bolinha de pêlo, abraçou o pai e saiu a correr feliz para a casa dele, só duas casas ao lado, para lho mostrar, até escolheram o nome juntos, Pipo, em honra à enorme barriga redondinha. Só agora se recordava do pai dele tirar-lhes uma foto... Se soubesse que três anos depois ele seria chamado… Talvez pudesse ter impedido…

O Pipo, estava deitado ao lado dela no sofá a observá-la como se lhe pudesse ler os pensamentos, estava quase a fazer uma década desde a foto dos três. Será que o Pipo ainda se lembrava dele? Não o via há seis anos, mas dizem que os cães nunca se esquecem… Como ela gostaria de saber…

No fundo da caixa havia uma carta. Pousou a foto à frente, na mesinha, e pegou na carta, como se pesasse toneladas. Agarrou-a com as mãos trémulas e abriu-a, datava de há dois anos já...:

 

Minha querida, minha adorada, amor da minha vida:

Não imaginas o que aconteceu. Quando tudo parecia estar a acabar finalmente e eu já contava os minutos para te voltar a ver, agarrar a tua mão, beijar-te… Fizeram-nos uma emboscada de noite e fomos apanhados. Somos prisioneiros de guerra há três anos e só hoje consegui uma caneta. Deves pensar que morri, e sem ti é como se estivesse morto… penso em ti todos os minutos, quem me dera poder fugir e ir ter contigo. Tenho medo que tenhas desistido de mim…

Não sei o que me irá acontecer aqui. Gostava de fugir mas se fugisse era certo que nunca mais te voltaria a ver… Eles não perdoam… Espero que me perdoes. Tinha esperança que o nosso País conseguisse um acordo e nos viesse buscar. Mas já passaram 3 anos… Eles não estão a cumprir a Convenção de Genebra e fazem tudo para conseguirem informações, torturam e já mataram alguns colegas meus….

Como temos que fazer tudo o que mandam, principalmente construção, guardei alguns pedaços de madeira e fiz uma caixa para ti com a faca que uso para comer.

Guardo a nossa foto comigo, os meus pais deram-ma no dia que vim para cá, mas aqui não é seguro tê-la comigo e guardei-a na caixa, debaixo do chão… A pulseira, achei que era feita para ti, adoras a Natureza e o mar… Espero dar-ta um dia. São crianças que as fazem junto às praias, pedi essa para ti, e a menina, talvez de seis anos deu-ma com um enorme sorriso, eu dei-lhe todas as bolachas que tinha no bolso.

Aqui as crianças fazem passam fome… A guerra destrói tudo, incluindo as pessoas, as famílias… É horrível…

Pergunto-me todos os dias como estará o Pipo, os meus pais, os teus pais? E como estarás tu?... Quero tanto que estejas bem…

Espero voltar a ver-te um dia, nem que seja na próxima vida, ou em todas elas, o meu coração será eternamente teu. A cada segundo és só tu que me fazes aguentar este pesadelo. O teu sorriso é a minha força.

Não posso escrever mais. Não tenho mais papel…

Teu eternamente

P.S. - Cuida dessa árvore da caixa, da mesma forma fazias com a nossa árvore, quando queríamos manter os nossos segredos seguros.

 

(Continua...)

 

S.R.