Este blogue é um ponto de encontro com amigos desconhecidos que se reconhecem nas palavras e nos gestos, aqueles por vezes tão comuns que deixamos de reparar, até alguém nos voltar a falar deles, como se fosse a primeira vez.

Música

20 de outubro de 2017

A luz do céu de Domingo...

 

Tirei esta foto da minha varanda no Porto no domingo, ainda sem saber o que estava para vir, tinha estado uma manhã radiosa e ao fim da tarde o céu tinha tons amarelos e cinza, eu pensei que era uma mistura de começos de Outono com chuva a aproximar-se, ainda não tinha ligado a televisão, nem o computador e as crianças olhavam da janela e diziam-me "Que luz estranha está tudo amarelo lá fora" e mal sabia eu que não eram nuvens de chuva mas de fumo, que mesmo de longe, chegavam ao Porto...

É sempre difícil falar do que nos magoa profundamente. Embora não tenha sido afectada directamente pelos incêndios aqui no Porto, sinto que me espetaram pequenos estilhaços no coração. Não é justa a vida, é verdade, mas ver pessoas a perderem tudo, tudo o que construíram uma vida inteira, só porque alguém gosta de atear fogo, ou por guerras comerciais, interesses económicos, destruição política... As guerras são deles, não do povo. Morreram pessoas sufocadas, carbonizadas, não é maneira de morrer, assim se morria na idade média, não agora. As que sobreviveram sofreram e sofrem, perderam tudo o que construíram, perderam família, perderam mais um pouco de fé na humanidade. Morreram milhares de animais de forma tão cruel... Associações e humanos que arriscaram as vidas para salvar os animais, outros que os tiveram que libertar ao seu destino para terem pelo menos a oportunidade de talvez sobreviverem. Há um rasto de vidas carbonizadas em Portugal, e quando falo de vidas refiro-me a todas, sejam humanas ou não humanas. Em minha casa, desde pequena, os animais são família, não precisamos esperar pela da nova lei para os amar, entender e saber que eles sofrem, choram, angustiam, entram em depressão, como nós humanos.

Estes dias nem consegui falar, mediante tanta destruição no nosso País, não existem palavras que cheguem, nem lágrimas que limpem os corações de quem sentiu e ainda sente esta devastação. Uma cadela que carregava na boca uma cria bebé carbonizada. Não é preciso mais palavras que isto. Há animais mais humanos que os homens. Esta cadela carregou a cria morta e queimada, não a abandonou e, apesar da aflição, houveram demasiados humanos que deixaram cães acorrentados, enjaulados e animais fechados em celeiros perante a aproximação das chamas. Acredito que alguns podem não ter conseguido mas também sei que muitos nem tentaram... Isso deixa-me o coração cheio de tristeza, uma tristeza maior que qualquer revolta, uma tristeza que tão cedo não conseguirei esquecer nem perdoar...

Não perdi a fé nem a esperança na humanidade, apenas em muitos humanos que não o são verdadeiramente. Como puderam fazer isto ao nosso Portugal? Tínhamos um País tão lindo, tão sereno... Aldeias históricas... É impossível não chorar ao ver as imagens da vida a arder, os nossos pinhais, o verde do nosso País, a Natureza, também fazemos parte do Planeta... Acho que muitos de nós estão num luto interior silencioso, porque ainda parece tão difícil de acreditar, acreditar que pessoas, como nós, possam ter-se divertido a fazer isto ou possam ter feito isto com intuitos lucrativos sem se importarem com ninguém Considero estes incêndios e os anteriores um atentado contra o nosso Portugal, contra o nosso Planeta e todas as formas de vida nele e espero que seja feita justiça, uma justiça a sério, sem pulseiras, sem imunidades...

Trago Portugal em cinzas no meu coração, mas sei que, embora devagar, vai recuperar, porque nós portugueses somos fortes, aguentamos tudo mesmo quando acreditamos que não poderíamos aguentar mais. E não tarda, um dia o Sol volta a brilhar dentro de cada um de nós, e nesse dia voltaremos todos a estar de pé e a esperança será renovada.

Plantemos todos uma árvore,
purifiquemos o pulmão do nosso País,
por todos, por Portugal, por D.Dinis!

Sandra Reis

10 de outubro de 2017

Os Animais


Dia 4 foi Dia Mundial dos Animais, para mim devia ser todos os dias, assim como o dia da Mãe, o dia da Criança, porque todos merecem respeito, amor e carinho.

Se há algo que nunca consegui compreender desde criança era como poderia alguém magoar um animal. Felizmente cresci numa casa e no meu jardim (encantado para mim), havia de tudo, formigas, borboletas, caracóis, toupeiras, ratos, pássaros, minhocas, bichinhos daqueles castanhos que faziam uma bolinha se lhes tocássemos e gatos também que passavam de casa em casa, jardim em jardim através dos muros. Sempre achei que aquele mundo cheio de verde, flores e animais tinha que ser um mundo especial, encantado, mais encantado que qualquer história de Príncipes e Princesas.

Durante a adolescência, que por si só já é uma fase difícil porque somos surpreendidos todos os dias com novos sentimentos e emoções para aprender a gerir, eu percebia que não conseguia gerir a tristeza e a angústia horrível que sentia sempre que via um animal perdido na rua sozinho, um cão acorrentado a uma casota, um gato que parecia doente, quanto mais descobrir que os homens torturam animais, abandonam animais, abusam e maltratam-nos, deixam-nos a morrer à fome...

Tive um instrutor de condução, em 97 acho, e ainda hoje me lembro bem, que abriu a porta do carro em andamento para empurrar um cão que estava parado no meio da rua, não o magoou porque eu ía a 20 para aí, mas podia ter magoado, e foi a atitude desumana e fria que me chocou, fiquei tão mal que nunca mais lhe falei.

Depois disso comecei a ver um mundo, o mundo real, que não sabia que existia, quando percebi que não conseguia fechar os olhos, era doloroso demais fingir ou esquecer, comecei a agir por minha conta e risco... Tanta gente contra mim... É tão fácil analisar e rotular os outros quando nem sequer nos conhecem... Quando se ajuda os animais somos rotulados, mas nunca me incomodou. Uns pensam e dizem que não podemos funcionar bem da cabeça por andarmos a resgatar animais, outros agridem-nos fisicamente.

Em 2006 quando tentava desesperadamente tirar um cão da rua com um amigo, com grande dificuldade dado que não tínhamos nada, nem conhecíamos ninguém que nos ajudasse, nem associações, nem família, nada, fizemos tudo por aquele cão... E numa noite em que estávamos lá sentados no jardim com ele, fomos apedrejados, sim, como fazem nos países árabes, só que eram bem portugueses aqueles, o meu carro ainda tem as moças no tejadilho, tivemos que correr e enfiar-nos dentro do carro, eram mais de 12, um homem, a mulher, o filho e os amigos do rapaz de dezassete ou dezoito anos, todos de pedras na mão, apenas porque não queriam que fossemos fazer festas ao cão que alguém tinha abandonado ali (provavelmente eles, a mulher do homem, segundo uma vizinha). A polícia não fez NADA. Falamos com uma vizinha que felizmente deixava o cão dormir dentro da garagem da casa dela à noite, para não lhe fazerem mal, a nossa procura por família continuou e as nossas visitas ao cão também, mas mais escondidos, foi uma luta muito dura, um enorme desgosto, ficam a revolta e a mágoa... Ajudar aquele cão não foi suficiente... Não foi suficiente porque o ser humano é um ser mau, muito mau...

Até hoje não parei mais, há dias em que sinto que estou a cair num abismo, mas quando acordo de manhã, mesmo sem força, sei que não posso deixar-me cair nesse abismo porque o que será desses animais se todos nos entregássemos ao cansaço e à apatia, se não houvesse ninguém para os ajudar? Ao longo dos anos tive que aprender a lidar com o facto de não poder salvar o mundo, de não poder salvar nem uma pequena fracção do mundo, é difícil, é uma impotência que nos abafa e aperta no peito, mas eu sei que não sou sobre-humana... Ninguém é... Mas se educarmos as Crianças e os Adultos para esta realidade paralela dos Animais que é a nossa também, e se todos fizerem um pouco pelo menos, tudo será muito melhor... Há milhões de Animais que precisam de nós.

Nós alteramos e destruímos ecossistemas, provocamos a extinção de milhares de animais, poluímos, enchemos o mar e os oceanos de plástico, destruímos para extrair petróleo, fizemos buracos no ozono, cortamos as árvores que nos dão AR!

Nós homens temos voz para pedir ajuda, somos responsáveis e temos o dever de respeitar e ajudar todos os seres indefesos. Mas esta história fica para outro dia, até porque é uma história cheia de histórias, umas acabam bem, outras acabam mal, e independentemente de como acabam, temos sempre que conseguir encontrar a força para continuar.

Glorifico todos os que ajudam os Animais, seja pouco ou muito, simplesmente porque não fecham os olhos nem lhes viram as costas, e estes sim, são Humanos!


1 de outubro de 2017

Um Porto Encantado



Quando eu era pequena íamos muitas vezes ao Porto. Sempre gostei do Porto. Não sei se mais do que agora que vivo no Porto, era simplesmente diferente, eu era criança e quando somos crianças vemos tudo duma forma especial, vemos para além do que os outros vêm, vemos pormenores que tornam as coisas profundas e sempre, mas SEMPRE, belas.

Quando crescemos entendemos coisas que não entendíamos e vemos pormenores reais e tristes que não víamos, vemos as coisas duma forma mais realista e objectiva. As pessoas que dormem no chão enroladas em tapetes ou dentro de caixotes, outros que pedem nas ruas, tantas lojas que fecharam e ficaram assim, abandonadas, as casas tão bonitas, agora devolutas, o turismo, que é bom claro para ajudar a reconstruir a cidade, mas de que certa forma, vai tirando aos poucos alguns pedaços da identidade tripeira. Mas a verdade, é que neste momento, não falta nada no Porto. Agora vejo a cidade e vivo-a todos os dias, porque moro nela, e é diferente, não é um olhar atento como era, não é um olhar fascinado como era, é um olhar de orgulho, mas às vezes o caminho passa-nos ao lado, porque quando vemos algo todos os dias, por vezes, esquecemo-nos de o apreciar e ver realmente, como quando somos crianças.

Lembro-me do enorme choque que tive quando tiraram o jardim da Avenida dos Aliados, lembro-me de pensar "que crime...", não podia acreditar, como poderiam fazer algo tão mau, tantos anos percorri aquele jardim, quando vinha de Espinho saía na Estação de S. Bento para apanhar outro comboio na Trindade, passei ali tantas vezes, corri ali, admirava as esculturas entre as flores e o jardim, e de um momento para o outro, transformam todo o verde num enorme tapete de betão porque um homem que se senta na cadeira do poder não gosta de aves por perto, um homem que proibiu os portuenses de alimentar gatos ou cães abandonados na rua e com ameaças físicas, um homem que queria destruir os jardins do palácio de cristal, que corta árvores que nos dão ar e sombra, um homem que cortou na cultura mas gastou em alcatrão para corridas de carros, um homem que queria matar todas as aves do Porto, um homem sozinho que quase tornou o Porto numa cidade mais cinzenta e insalubre do que nos anos da revolução industrial e "esqueceu" que a cidade é dos portuenses e não dele... Não consigo evitar de mostrar o meu desprezo por esta pessoa, por todo o mal que fez à cidade, às pessoas e a todos os seres...

Lembro-me de descer a Avenida da Boavista de Eléctrico, a ver o mar à minha frente e a sentir o vento no cabelo, as portas de abrir e fechar que não eram portas, mas eram fascinantes para mim.
Lembro-me de achar a Estação de S.Bento enorme e fascinante, não dum ponto de vista estético, como agora, havia algo ali, talvez as histórias das centenas de pessoas que chegavam e íam embora, acho que era isso.
Lembro-me de passar a ponte Maria Pia de comboio e como era pequenina não via as grades da ponte e fingia que estava a voar, quando entrávamos no túnel lembro-me de ficar tudo escuro e de conseguir ver as paredes, o som ficava diferente dentro do comboio, até um cheiro mais quente e abafado, e acho que eram três os túneis por onde passava até ver a chegada a S. Bento, e entrar na estação depois do túnel era uma chegada tão mágica como se chegasse à cidade do Pai Natal.
São tantas as memórias, nunca mais acabam...
Os vendedores de bolacha americana na rua e de batata frita na praia. Ainda lhes sinto o cheiro :)

No entanto o Porto está neste momento numa fase incrível de renascimento. Seria terrível deixar o Porto morrer, tem tudo para ser uma cidade inesquecível. Neste momento fico contente porque vejo o Porto renascer a cada esquina, sei que levará tempo e muito trabalho, mas é um começo. E a vida é assim, feita de começos, pequenos, grandes, curtos, longos, mas todos com história, histórias que se contarão um dia mais tarde.