Este blogue é um ponto de encontro com amigos desconhecidos que se reconhecem nas palavras e nos gestos, aqueles por vezes tão comuns que deixamos de reparar, até alguém nos voltar a falar deles, como se fosse a primeira vez.

Música

27 de julho de 2019

Tons de Liberdade




Borboletas de asas de vidro
Resplandecem na luz
Sem poderem voar
Escondidas no silêncio
De memórias distantes
Com doces ventos a soprar
Tão belos sonhos
Que as fazem ofegar

Numa noite,
Cumprindo a promessa,
O Sol espreita
Com intensidade
E numa chuva de sete cores
As asas de vidro
Transformam-se em pétalas
Com tons de liberdade


Sandra Reis

19 de julho de 2019

O meu Lugar Preferido






Quando eu era pequena, ia com a minha mãe à praia no Verão, morávamos alguns metros acima apenas. Ela levava-me à praia num sítio onde as rochas formavam um "u" de costas para o mar, e, nesse sítio, no momento certo, quando as ondas se desfaziam na areia, entrava alguma água para dentro desse "u" formando um pequeno "lago". A água dava-me pouco acima das canelas, e era assim todos os dias, imutável, seguro.

Lembro-me da minha mãe sentada na areia perto de mim a observar-me, enquanto eu brincava com as outras crianças na água, e, às vezes, deitava-me na água como se fosse nadar, dava um impulso naquele pedacinho de água salgada com os joelhos pousados na areia, e gritava: “Mãe, olha, estou a nadar!”, para mim aquilo era nadar.

Ao longo dos anos, o nível do mar continua a subir, cada vez a praia fica mais pequena e só consigo ver o meu pequeno "lago" quando a maré está muito baixa, mas mesmo assim, quando me sento ali à beira-mar, embora ninguém veja as rochas, eu vejo tudo como se nada tivesse mudado, reconheço o pedaço de areia onde a minha mãe se sentava a ver-me “nadar” e consigo ver o "u" escondido debaixo das ondas do mar.

E, embora, aquilo que eu pensava ser imutável, tenha realmente mudado, para mim não mudou. Ali sinto-me bem, sinto-me em paz, sinto-me feliz, simplesmente, com a maresia na minha cara, a ver e a ouvir o mar por cima do meu pequeno "lago", imutável, seguro.

Sandra Reis


(Fotos tiradas por mim - Praia das Sereias - Espinho)

14 de julho de 2019

Uma Promessa





Uma promessa
Não é feita de palavras
Não se desfaz no vento
Nem expira no tempo

É um gesto
Esculpido no interior
Uma prova intemporal
De honra e amor

É um pedaço de caminho seguro
Algo com que podemos contar
É força, é esperança
Uma ponte a atravessar o mar

Uma promessa
É algo que podemos agarrar
Como um baloiço que nos dá asas
Sem deixar de nos segurar


Sandra Reis

11 de julho de 2019

Coragem para Mudar

    
"O teu coração é livre, tem a coragem de o seguir"

 


(Carta escrita e enviada hoje ao Primeiro-ministro, Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Ministros, Representantes do Governo e dos Partidos, Deputados)

Por favor leiam e partilhem <3

 Sou cidadã, sou mulher, sou mãe, sou professora do 1º Ciclo, escrevo livros para crianças. Tento ensinar as minhas filhas, os meus alunos, os meus leitores, todos os dias, sem baixar nunca os meus braços ou descansar as minhas pernas, a respeitarem, a ajudarem, todos os seres vivos, toda a Natureza. Quero que percebam que não somos só nós que sentimos e sofremos, que o Planeta não é nosso, mas nós é que somos dele, que todas as espécies são igualmente importantes.

Mas como explico às minhas filhas, alunos e leitores, que num País de descobridores, de pessoas inteligentes e capazes de encontrar soluções avançadas, ainda é permitido e legal torturar seres vivos? Que ainda podemos caçar por “desporto” e não por sobrevivência como o homem primitivo? Que ainda podemos torturar touros e cavalos em arenas iguais às que se vêm em ruínas da Era Romana?

Como lhes explico que todas estas atrocidades que são cometidas hoje, que começaram milhares de anos antes dos Descobrimentos Portugueses, quando o homem tinha que caçar para sobreviver, quando os homens eram bárbaros e pensavam que era divertido torturar animais e pessoas, e que, apesar de todas as descobertas, avanços e aprendizagens que fizemos desde há mais de 500 anos, continuam-se a praticar estas tradições seculares, que mais devem a rituais macabros de diversão e prazer, por pessoas que chamam cultura à tortura dum animal, dum ser vivo senciente.

Definição de cultura: conjunto de costumes, de instituições e de obras que constituem a herança de uma comunidade ou grupo de comunidades
Portugal tem heranças bonitas. Heranças visuais, auditivas, tactéis... Heranças que devemos preservar porque nos distinguem de outros povos, culturas e civilizações. Heranças cruéis não são motivo de beleza para a história de um País, duma nação. Queremos ser conhecidos pelo povo que tortura touros por prazer, que caça raposas de forma violenta com paus e matilhas, por divertimento, que mata patos e lebres a tiro porque é mais engraçado do que atirar para um prato? Ou queremos ser conhecidos pelos nossos monumentos, pela nossa história, pela música, pelo fado, pelo vinho, pelo artesanato local... Há heranças a preservar, e heranças a esquecer, heranças que magoam animais e pessoas, porque são erradas, são desumanas.

Como explicaria eu às minhas filhas, alunos e leitores que, nos dias de hoje, seria parte da cultura e, perfeitamente normal, perseguir pessoas de raças diferentes, enforcar homens que falaram o que não queriam que se falasse apenas, queimar mulheres que faziam chás para dores, vender crianças para trabalho, atirar pessoas aos leões para os ver a lutar até à morte? Evoluímos, felizmente, em tudo isto, mas quando se trata de rituais com animais, de caça, de circos, de tráfico de animais, de corridas, de touradas, etc etc etc, continuamos na mesma?

Há uma diferença entre cultura e automatismo. As pessoas acreditam que devem perpetuar a repetição de certos acontecimentos dos seus antepassados, só porque eles os faziam, mesmo que sejam errados ou cruéis. Essas pessoas não estão a partilhar ou a celebrar cultura, mas apenas a bloquear a passagem do tempo, em vez de evoluírem.

Sinto orgulho no meu País quando o vejo evoluir, sinto orgulho quando noutro país falam bem do nosso País, por ser lindo, por ter pessoas tão simpáticas, pela arte de cada região, senti orgulho quando, finalmente, fizeram algumas pequenas evoluções para proteger os animais que vão parar aos circos, quando criaram a nova lei que deu um estatuto aos Animais, sim, fiquei feliz e com orgulho de Portugal. Mas depois, o tempo foi passando e foram surgindo aquelas “alíneas” que me mostraram que, afinal, estava tudo tão incompleto ainda… E fui percebendo que, o novo estatuto de “animal senciente” não é para todos os seres vivos, mas apenas para os animais domésticos (e não todos), e a nova lei não protege os cães de corrida, os animais errantes, os cavalos que entram nas touradas, as raposas que são caçadas, os animais que são maltratados nos circos, os animais que estão fechados em canis sem condições… a lista é enorme…

Pensemos como uma pessoa que vê o País do lado de fora. Pensemos em África, que vive numa extrema probreza e onde a caça é uma constante, acham que se eles tivessem uma vida normal como nós, com salários e supermercados para comprar comida, iriam caçar?

Vejam estas duas notícias, uma dum País de Terceiro Mundo e a outra dum País de Segundo Mundo:

“O governo do Botswana anunciou esta quinta-feira o fim da proibição da caça aos elefantes. A medida foi justificada pelo impacto que o aumento do número de elefantes estaria a ter junto dos agricultores e das populações.”
“Os quatro projetos de lei do PAN, BE e PEV para a proibição da caça à raposa e ao saca-rabos foram chumbados esta quinta-feira no parlamento com votos contra do PSD, PS, CDS-PP e PCP. (…) no sentido de acabar com a possibilidade daquela atividade autorizada em Portugal entre outubro e janeiro, inclusivamente com recurso a paus e com matilhas de até 50 cães.

Acho que isto diz muito do nossos políticos, pessoas que têm o poder de tomar decisões importantes e humanas também, por nós, mas chumbam projectos de lei que acabariam com a tortura de seres vivos, tais como nós. Como explicar às minhas filhas, alunos e leitores, que os nossos adultos e políticos, são pessoas sensíveis e preocupadas com o Planeta e os seres vivos, se, realmente, mostram o contrário com as suas atitudes?

Há 10 anos atrás, a 4 de Junho de 2008:

“A transmissão da tourada pela RTP, prevista para as 17h de domingo, não poderá acontecer antes das 22h30, decretou o Tribunal de Lisboa, que considerou o programa «violento e susceptível de influenciar negativamente crianças e adolescentes». A decisão foi tomada na sequência de uma providência cautelar interposta pela Associação Animal que visava restringir a exibição televisiva de touradas pela RTP.”

10 anos depois, em 2018:

“Conjunto de 44 concelhos com atividade taurina estão contra "discriminação" da proposta do Governo, que trava a redução do IVA para 6%. Alcochete e Vila Franca de Xira já tomaram posição contra ministra da Cultura”
O primeiro-ministro espera que “a proposta que foi apresentada pelo governo seja aprovada e que haja redução da taxa do IVA para espetáculos de teatro, de dança, de música, mas que não haja efetivamente uma redução da taxa do IVA para os espetáculos tauromáquicos”. “Lamento”, “é errada essa proposta”, “obviamente, se fosse deputado do PS votaria contra, “há uma divergência, espero que a posição política do governo seja vencedora.”

Há 149 anos atrás, em 1870, quando tentaram voltar a introduzir as touradas no Porto, estando a população em geral contra, o Comércio do Porto escreveu:

"Vê-se que infelizmente se porfia no intento de introduzir nesta cidade um divertimento contrário à índole e hábitos dos seus habitantes, porém ainda que o não fosse, nem por isso ele deixaria de ser menos condenável e digno de reprovação".

Quase 150 anos depois, 2019, ainda há portugueses que gostam de ver o sangue a escorrer dos animais, ao vivo e a cores, num dos maiores “espectáculos de horror” que conheci até hoje em Portugal. Lembro-me de ver pinturas rupestres semelhantes às touradas, pinturas do Paleolítico Superior, há mais de 15 mil anos!

Como vou explicar a todas as crianças, que evoluímos tanto, na tecnologia, na navegação, na ciência, etc, mas continuamos a ser tão ou mais negligentes e cruéis, que alguns antepassados, com estes seres inocentes?

Para esta índole, encontro uma explicação, ao contrário do que se diz por aí, e eu própria já o pensei, não é ignorância, não é porque vivem numa aldeia sem acesso à informação, que não sabem que os animais sofrem, os meus avós eram da aldeia e respeitavam e cuidavam dos Animais. Também não é iliteracia, falta de formação ou conhecimento, vemos muitas das crueldades a animais serem praticadas por pessoas com toda a formação e mais alguma, por jovens universitários, entre outros. São as desculpas que se arranjam, mas as pessoas não são ignorantes a esse ponto, as pessoas sabem, mas, simplesmente, não querem saber, seja por falta de sensibilidade, ou porque o prazer e a ambição são mais importantes do que a compaixão e a dignidade.

Nenhuma tourada pode ser transmitida pela RTP Internacional porque a maioria dos países não permite a sua divulgação devido ao seu carácter violento, e ao poder que a televisão tem a moldar o carácter das pessoas.

Só entrei uma vez numa arena, na minha cidade, tinha 6 anos de idade e o meu pai levou-me à Tourada de Espinho, para ver o Rui Veloso tocar, porque a tourada ainda existia mas ali já não entravam touros há muitos anos! Digo-o com orgulho sim. Espero que as outras dezenas de cidades tenham um dia Presidentes com a coragem de remar contra a maré, pela justiça e pelo bem, pelo fim das touradas.

Porque agora não posso dizer às minhas filhas, alunos e leitores, que as pessoas não querem saber dos outros, muito menos dos animais, e principalmente quando têm “benefícios” em troca de decisões erradas, porque eu quero que as crianças acreditem, no futuro, nos homens, na vida, e que se tornem melhores do que somos agora. Que tomem as decisões certas, que sejam ambiciosos sim, mas para o bem.

Deixo-vos apenas com um exemplo de coragem, porque fez o que estava certo contra todas as probabilidades:

“Em 18 de Fevereiro de 2005 entrou em vigor a lei "The Hunting Act", que proíbe a caça de raposas, renas e lebres, uma prática de 300 anos na alta sociedade britânica e que tinha entre os fãs nomes como o príncipe Charles e sua mulher, Camilla Parker Bowles. O governo do então primeiro-ministro Tony Blair aprovou uma das leis que mais polémica causou nos últimos tempos na Inglaterra e País de Gales....”

Por fim, deixo aqui, uma pequena citação do nosso Primeiro-Ministro, António Costa:

 “Como homem da Liberdade tem também de respeitar os cidadãos que, como eu, rejeitam a tourada como manifestação pública de uma cultura de violência ou de desfrute do sofrimento animal”.
Todos sabem que é errado, mas ainda ninguém com o devido poder, teve a CORAGEM de o mudar. Por favor, sejam essa pessoa, sejam Humanos, sejam justos. Quero dizer às minhas filhas, alunos e leitores que se orgulhem de Portugal, que os Portugueses são um povo de coragem, humanidade e justiça, um povo cheio de história e heranças, um povo que defende, respeita e protege TODOS os Seres Vivos.


Sandra Reis


3 de julho de 2019

Nas Notas do nosso Destino



Enquanto conduzia até ao Concerto, sentia-me novamente uma adolescente apaixonada. Aquele sentimento avassalador que nos faz palpitar o coração com demasiada força, que nos enche o peito de ar que parece que não sai, que nos faz brilhar os olhos como faróis no mar e sorrir de felicidade.
 

Tu não sabias se eu conseguiria aparecer e eu conduzia o mais depressa que podia para te dizer "Consegui! Estou aqui!". Estava ansiosa. Era a primeira vez que te ia ver a tocar. Quando te vi e chamei, no meio de toda a turbulência, de toda a multidão, vieste a correr ter comigo e apertaste-me com força, cheio de felicidade, e eu, abracei-te, com os meus braços e o meu coração.

Uns minutos depois subiste ao palco. Não consigo descrever o que senti ao ver-te e ouvir-te a tocar. Uma mistura entre admiração, orgulho e êxtase.


Cada corda que vibrava, tu vibravas com ela, cada som fazia-te brilhar por dentro, o teu corpo transbordava emoções e sentimentos. A cada solo que tocavas, eu via-te como nunca te tinha visto antes. A tua sensibilidade, a tua vulnerabilidade, a tua força, deixavam-te sem fôlego. Tu respiravas a música, como eu.

Conforme as cordas vibravam, as ondas de som agitavam todo o ar à minha volta, e transportaram-me, duma forma tão realista, duas décadas atrás, para ter a oportunidade de te reencontrar e te ver a tocar, quando ainda éramos adolescentes, naquela Academia de Música, onde nos cruzávamos nos corredores, onde te sentavas no banco do alpendre, mesmo por baixo da minha sala, com a guitarra ao colo nos fins de tarde.

Naquele instante, em que te vi tocar guitarra, reencontrei-te nos corredores da velha Academia e encontrei-te olhos nos olhos pela primeira vez.. tínhamos novamente 17 anos, tu tocavas guitarra na cave, eu cantava na torre do primeiro andar, ambos abafados pelo som dos saxofones no rés-do-chão.

Hoje o rés-do-chão da nossa história silenciou-se, para que nos pudéssemos reencontrar nas notas do nosso destino.

in  "Duas Décadas à tua Espera" (excerto III), Sandra Reis