Este blogue é um ponto de encontro com amigos desconhecidos que se reconhecem nas palavras e nos gestos, aqueles por vezes tão comuns que deixamos de reparar, até alguém nos voltar a falar deles, como se fosse a primeira vez.

Música

26 de janeiro de 2018

Hoje fiz uma viagem no tempo



Estava no carro parada num semáforo a ouvir a M80. Tinha parado de chover e as nuvens afastavam-se, começou a aparecer o sol e na rádio começa a dar Cryin’ dos Aerosmith. Estavam reunidas as condições para uma viagem louca no tempo. O sol de inverno, o chão molhado, aquela música, de repente eu estava em 1994 em Espinho na “industrial”. À minha volta as paredes cor de creme desbotado, as janelas castanhas, as árvores e os arbustos do A2, o campo de futebol ao pé das oficinas, uma série de rapazes a jogar futebol numa folga qualquer. Nós, sentados no chão encostados à parede a ouvir música nos walkmans e um tipo de outra turma, a cantar músicas estrangeiras conhecidas, mas com letras inventadas cheias de disparates sobre os profs. Nessa altura nós chamávamos-lhes “Stôres”.

Foram anos bem passados. Todos nos conhecemos, não há estranhos de outras turmas, todos conhecem todos. Durante 6 anos esta foi praticamente a nossa casa, onde crescemos, onde aprendemos, onde nos divertimos e onde chateámos os funcionários e os professores com os nossos disparates...

Calcar a relva, atirar bolas ao pé das janelas, gritar ao pé das salas em aulas, avançar os portões, eram algumas das coisas que deixavam os funcionários com os cabelos em pé, mas aturaram-nos, apesar de tudo foram sempre pacientes connosco, adolescentes em total delírio :D Quantas vezes chateámos o Sr Monteiro que vivia num desassossego por nossa causa, éramos TÃO adolescentes! E quando entrávamos e saíamos da escola pela parte de baixo por cima das grades, só para não irmos dar a volta até ao portão de cima! Coitado do Sr Monteiro, isso é que o punha cheio de ansiedade. E ele era bem paciente.

Como é que uma simples música faz isto? Eu estou em 1994 agora! :) Estou a ver toda a gente a passar, com os kispos! Sim, tínhamos kispos! E não tínhamos frio, e posso dizer que quando entrávamos às 8h30 até parecíamos uma espécie de animais hibernados nos kispos durante as aulas. Os Profs falavam para nós mas só viam metade das nossas caras a sair dos kispos. Que adolescentes que éramos! :D
Quando chovia e havia aulas de educação física parecíamos baratas tontas a tentar descobrir se a chuva que entrava no ginásio já o tinha alagado o suficiente para termos folga!
E a confusão no polivalente quando eram as listas? Parecíamos sardinhas enlatadas. O pessoal das listas em cima das mesas e nós ali todos para as eleições como se fossemos eleitores de verdade que até percebiam muito de política!

Será que os miúdos ainda vão a correr às salas das turmas que fazem testes primeiro para saber o que sai? Nós fazíamos isso e depois os Profs, mais espertos que nós, davam-nos a volta e em vez de um 3 punham um 2 e já não sabíamos a resposta. Porque em vez de nos prepararmos para os testes, preparávamo-nos para as perguntas dos testes das outras turmas! Muito sábio! Muito adolescente! :D
As folhas de teste, vejo-as perfeitamente, será que ainda se usa disso? Às vezes só nos lembrávamos delas 1 min antes do teste, lá íamos a correr àquela janelinha dentro do polivalente implorar por uma folhinha de teste :D

Os livros de ponto, adorávamos espreitar as fotos para gozar uns com os outros. Às vezes rezávamos para que o livro de ponto chegasse à sala depois de nós para não termos falta por nos atrasarmos 5 minutos na conversa com alguém de outra turma…

As melhores aulas que tive foram ali, naquela escola a que chamávamos "industrial" e não escola nem liceu, e até havia uma guerrinha, digamos que pequena, entre a "industrial" e o "liceu", porque uns diziam que uma era melhor que a outra, não sei qual era a melhor, só posso falar de uma delas, aquela em que eu estudei, a industrial.

Não me lembro dos Profs todos, mas não me esqueço dos melhores! O Prof. Teixeira Lopes de História, não foi um dos melhores? Ninguém se punha com brincadeiras nas aulas, estávamos caladinhos, ouviamos, percebiamos e aprendíamos! A Prof Isabel Cristina de Inglês, sempre bem disposta, merecia uma medalha pelo sorriso! A Prof. Alzira de desenho, sempre pronta para nos ajudar nos momentos difíceis. A Prof. Carminda de Filosofia, uma professora e pessoa humana e fantástica, mais palavras para quê? Mas são tantos os Profs e eu não tive aulas com todos. 

Lembro-me que nas aulas de Sociologia ninguém se sentava nas mesas da frente, havia um buraco negro entre o Prof e nós, lembram-se? Não me lembro do nome dele, mas era um excelente Professor também. A serenidade do Prof de latim, nunca conheci ninguém no mundo tão calmo. Tivemos um Prof de geografia no 11º ano que, começava, enchia e acabava as frases com “PAH”, cada frase tinha 60% de “PAH”. Tivemos uma Prof de Português com uma sonoridade tão única (passando dum tom baixo para um berro), que um dia não resistimos em desenhar as ondas da intensidade sonora durante uma aula. Eu sei que é estúpido… Adolescentes!! Vai-se lá perceber o que acontece dentro dessas cabeças!

Depois criavam-se mitos. Os alunos mais velhos gostavam de assustar os mais novos e um dia chegou-nos aos ouvidos que um Prof de Ed. Física obrigava os alunos a correr da praia de Espinho à de Esmoriz, e depois a fazerem flexões com o nariz nos esgotos (nós acreditámos, acreditávamos em tudo!), e, em consequência disso, quando ele foi nosso Prof, nas três vezes que ele chamou o meu nome, eu saí do ginásio a correr, saltei o gradeamento e só parei em minha casa! (Isto é mesmo verdade) :D

Todos os Professores eram diferentes, claro, afinal são pessoas também, como nós! Pobres dos nossos professores, nem sei como alguns conseguiam, havia dias que até nos portávamos bem e as minhas turmas nunca foram más, sempre gostei dos meus colegas, mas tínhamos dias NÃO em que os professores provavelmente iam para casa derreados e nunca lhes demos valor nenhum, porque éramos adolescentes e só queríamos andar felizes e divertidos... Armávamos esquemas para copiar em testes, esquemas que ainda estou para descobrir se funcionam porque nunca cheguei a experimentar, é verdade! Até tremia só de pensar em tentar :D Os Profs não eram cegos, nós sim é que eramos!

As visitas de estudo, autênticas dores de cabeça para os Profs, uma simples visita à Biblioteca Municipal do Porto valeu-nos um belo sermão e castigo porque deixamos o livro de visitas da Biblioteca preenchido, de disparates! Éramos apenas adolescentes normais!

O Sr Amadeu do outro lado do portão da escola, sempre à nossa espera hablando en su castelhano, onde podíamos arranjar umas cáries com aquelas doçarias todas! Isto para nem falar nas idas ao Pepim a correr para comprar 4 bolas de berlim!

Tantas aventuras e boas memórias... E mesmo com tantos disparates que os Profs tiveram que aguentar, nós crescemos, aprendemos. Devemos um obrigado a todos os nossos Professores, porque TODOS tentaram ensinar-nos, mesmo contra as correntes e as marés das nossas hormonas adolescentes! Merecem todo o valor do Mundo!

O meu pavilhão preferido era o A3… Porquê? Não faço ideia, mas foi onde tive mais aulas, era o maior, tinha uma fonte no meio e muito espaço para correr lá dentro, embora dos 15 aos 17 já não corressemos muito para não parecermos miúdos, porque afinal já não éramos miúdos pois não?! :D Correr só em educação física e só se o Prof obrigasse mesmo :)

Eu era uma aluna sossegada, nas aulas, os profs diziam que eu tinha que participar, mas a minha boca não abria, e cada vez que eu tentava, tremia. Eu tentava, juro que tentava, mas não valia a pena. Só conseguia falar da porta da sala para fora.

Foi ali na Industrial que me defini como pessoa. Tive um monte de amigos além da minha turma, um monte de amigos fantástico, uma MIX de tudo, nem sempre os adolescentes rotulam os outros como os adultos, nós éramos todos, completamente, diferentes. Costumávamos juntar-nos nos intervalos, nos furos e no fim das aulas, se desse tempo, tínhamos um sítio especial ao lado do A2, junto das árvores viradas para o campo de futebol. Alguém tinha “grafitado” ali na parede “Convento do Pecado”, nunca soubemos quem, mas dava um aspecto giro. Éramos uma mistura de tudo, uns ouviam Bed of Roses do Bon Jovi, outros Return To Innocence dos Enigma e outros Enter Sandman dos Metallica, umas 50 vezes seguidas… Todos juntos dava uma bela salada de “ruído musical”. Mas nunca nos chateámos uns com os outros, nem chateámos o Sr Monteiro, nem sequer o Sr João, por incrível que pareça! :D

Mas não foram esses os melhores momentos da nossa juventude? Eu chorei na adolescência, claro que chorei, não era preciso muito para fazer desabar o nosso mundo na adolescência, mas agora, só me lembro de como era FELIZ! Nós éramos felizes. Nós faziamos tudo o que nos apetecia. É mesmo verdade… Nós fizemos tantos disparates… Disparates bons! Disparates normais, eramos rebeldes, não eramos vândalos, eramos apenas… como dizer isto… ADOLESCENTES, revoltados sim, porque queriamos dar voz a tudo o que estava mal, queriamos justiça.

Tinhamos tantos amigos, éramos todos amigos, ou quase todos :D Agora os miúdos encostam-se nos corredores da escola a fazer amigos virtuais em várias redes sociais, nós faziamos amigos no A3, no A2, no A1, na rua, no Delícia, na praia, nós faziamos amigos de todo o lado, não importava de onde vinham, nem o que faziam, até podiam andar no liceu!! :D Em 94 os amigos não traziam um perfil pendurado ao pescoço a dizer essas coisas, que importava isso? Falávamos um bocado, riamos juntos, pronto, somos amigos!

E fomos felizes sem telemóveis! Sem internet! Embora já houvesse o curso de informática na altura, fiz muitos e excelentes amigos na turma de informática também. Mas o nosso google naquele tempo era a biblioteca! Não navegávamos na internet, navegávamos na rua, na praia, nos concertos dos amigos adolescentes que formavam bandas! Viviamos no paraíso! :D Jogávamos bilhar e bebiamos panachés com 99% de gasosa! Comíamos gelados Fá, para arrefecer os neurónios adolescentes e peta zetas para nos calarmos (que por sinal voltaram!) Andar na rua era a nossa internet, víamos o Mundo! :D

Não é mau ter telemóvel e internet agora, mas ainda bem que não os tivemos na adolescência, porque tenho a certeza que agora não teriamos tantas memórias e histórias fantásticas para contar.

É bom viajar no tempo, mas fica sempre tanto por dizer…

Um abraço ENORME a todos os meus amigos da adolescência, alguns que ficaram outros que não, mas um abraço a todos. OBRIGADA POR TEREM PARTILHADO COMIGO O MELHOR TEMPO DAS NOSSAS VIDAS. O mais louco, estúpido, inocente, divertido, e FELIZ! :D Na melhor escola do Mundo! A “industrial”! ;) 

Foi bom viajar no tempo, talvez um dia possamos todos viajar juntos até lá! ;)



 Esta foi a minha turma, do 10º ao 12º ano :)