“Se abrimos uma porta e não vemos o que procuramos,
não desistimos, porque o que não está à primeira vista,
pode estar, simplesmente, ao rodar de mais uma maçaneta”
S.R.
Depois de ler a carta perguntava-se como poderia saber se ele ainda estaria vivo… Dois anos depois de ele a ter escrito, sem mais notícias… E quem teria entregue a caixa aos pais dele. Tinha que ir perguntar. Voltou a ler a carta, releu e releu, até que num instante de perfeita lucidez parou no “P.S.”. Naquele momento, houve uma esperança, uma palpitação no peito, havia ali uma mensagem para ela… que só ela entenderia. Enfiou a carta no bolso e saiu de casa a correr jardim fora.
Quando eles tinham dezasseis anos, ao passarem no parque, encontraram alguns pedaços de casca de árvore no chão, e tiveram uma ideia, fazer uma cobertura secreta na pequena abertura no tronco da árvore secular. Quando chegaram a casa dela, pegaram na mais parecida e deram-lhe a forma da abertura para que encaixasse e ninguém reparasse.
Guardaram algumas coisas lá dentro, só tinham que dar um jeitinho para rodar a casca e ela saía. A mensagem tinha que ser isso. Quando chegou ao pé da árvore e viu a velha casca, já de cor diferente, sorriu. Tantos momentos juntos, tantas gargalhadas, e beijos roubados, às escondidas dos pais, atrás daquele tronco…
Há anos que não abria aquilo... Rodou a casca e retirou-a devagar. Espreitou para dentro, olhar para aquelas coisas ali dentro era um reviver de momentos insubstituíveis… Como a mistura dum sorriso e duma lágrima, um arco-íris tão lindo que em pouco tempo voltaria a desaparecer…
Continuava tudo igual, tudo o que tinham lá posto… Mas… olhou melhor… menos uma coisa, havia uma coisa atrás de tudo, que não reconhecia... Enfiou o braço e retirou-a. Era uma noz, estava fechada com cordel, tinha um papel amarrado: “Se a vires, não abras! Espera. É uma promessa. Amo-te”. Estava confusa… E se ele não voltasse? Mas ele podia voltar… Guardou a noz novamente no fundo e pôs a casca na árvore. Sentou-se ali na erva, encostada ao tronco, e pensou: “Porquê mandá-la à árvore se não podia abrir a noz? E porquê uma noz? Será que tinha entendido a mensagem?...”
Pegou na carta e voltou a ler o fim: “P.S. - Cuida dessa árvore da caixa, da mesma forma como fazias com a nossa árvore, quando queríamos manter os nossos segredos seguros.”
E se ele não a estava a mandar ir à árvore, mas sim àquela árvore que esculpiu? Talvez houvesse alguma coisa escondida na caixa, alguma divisória…
Por dentro não havia espaço para divisões escondidas… Por fora era só mesmo a árvore esculpida, com um círculo que a contornava… não tinha reparado nele… Tentou levantar mas nada… Tentou rodar mas não se mexia. Inconformada foi à cozinha buscar duas facas e prendeu uma de cada lado nos ramos da árvore a ver se poderia rodar assim. Ao fazer força com as duas ao mesmo tempo, sentiu qualquer coisa, o círculo estava a mexer, ele mexia! Continuou com mais força ainda, até que ele começou a rodar e duas voltas depois saiu. O compartimento só tinha um ou dois milímetros de altura mas era o suficiente para guardar um pequeno papel.
O coração dela batia forte e acelerado como o som duma manada de cavalos selvagens a galopar nas montanhas, ouvia o próprio eco dos batimentos como se fossem ferraduras a bater em terra dura.
Abriu o papel. Lá dentro havia números… Mas que números eram aqueles… Não eram suficientes para um telefone… Tinha um número e uma vírgula, por baixo outro número, seria um endereço?? Nada fazia sentido, mas tudo parecia conspirar para que a esperança ressuscitasse. Ah… Mas ela tinha medo, tanto medo de ter esperança…
Saiu de casa a correr, de papel nas mãos, o corpo todo a tremer… Não podia ser ele, senão porque não teria ido lá ele, bater-lhe à porta?
Chamou um táxi e repetiu os números do papel, assumindo que o primeiro seria o da rua e o segundo a porta. Vinte minutos depois o táxi parou. Ela pagou e saiu. Ficou parada a olhar para a porta. Seria aquilo? Seria realmente uma morada? Não parecia a porta duma casa. Não via telhados nem tectos, apenas uma parede cheia de folhas a rodear uma porta verde. Aproximou-se devagar… Sentia uma mistura de tudo… ansiedade, medo, desespero, mas principalmente, confusão.
Bateu à porta. Mas o que ia dizer? Do lado de lá ouviu passos, de quem seriam? A porta abriu, ela não reconheceu o rosto do homem, já ia mostrar o papel com os números quando percebeu que ele a conhecia, quando ele lhe sorriu genuinamente e a convidou a entrar.
Era um jardim, ao fundo uma pequena casa recuada. Convidou-a a sentar-se numa mesa no jardim e começou a falar.
- Pareces confusa, deves estar cheia de perguntas neste momento. Conheci-te da foto dum amigo. O teu namorado. Eu consegui fugir. Foi terrível e longo até conseguir voltar cá mas consegui, e prometi-lhe que te entregaria a caixa. Ele receava que pudesses ter casado ou mudado de casa, pediu-me que entregasse a caixa que te fez aos pais dele e uma carta para eles, que fizessem tudo para terem a certeza que a caixa chegaria às tuas mãos. Pelos vistos conseguiram, muito mais rápido do que imaginei. Eu não soube mais dele, mas estou a cumprir uma promessa que lhe fiz, procurar-te e contar-te tudo. Enquanto prisioneiros não tivemos forma de avisar o nosso País que estávamos vivos. Alguns anos depois, não podia mais viver assim, não tinha nada a perder, a não ser ganhar a minha liberdade, mas podia salvar os meus amigos, então arrisquei, aventurei-me, planeei meses e consegui fugir, viajei e andei escondido meses, sem dinheiro, sem nada, foram meses horríveis mas consegui voltar a casa e consegui avisar o Governo. Já se passaram quase dois anos desde que fugi e consegui regressar, não sei quem poderá ainda estar vivo, mas o nosso Governo já está em negociações com eles, numa troca de prisioneiros. Vão ser libertados em breve, todos os sobreviventes, mas deves manter isto entre nós, não é suposto eu contar a ninguém… diplomacias...
- Obrigada. Espero que ele volte… Esta carta tem dois anos… Obrigada… Se souberes mais alguma coisa liga-me para este número por favor. – e escreveu o número dela num pedaço do papel com a morada e deu-lhe.
- Prometo que sim. Ele salvou-me uma vez de levar um tiro… É um irmão para mim agora. Ele só não fugiu comigo por medo de ser morto, porque voltar para ti era o que ele mais queria. Nem no campo de batalha largava a vossa foto, eras o amuleto dele. Só nos resta esperar.
- Obrigada…
Ela agradeceu e despediu-se. Mal passou a porta verde, as lágrimas correram-lhe pelos olhos. Não conseguia chamar um táxi, decidiu correr o mais que podia, até não poder mais… Quando chegou a casa, talvez uma hora depois de ter ouvido toda aquela informação. Abraçou o Pipo e deitou-se ao lado dele no sofá.
Será que ele estava vivo? Quanto mais tempo teria que esperar? E que promessa seria aquela dentro duma noz?...
Estava perdida nos pensamentos, acabou por adormecer ali mesmo agarrada ao cão enquanto anoitecia… O telefone começou a tocar... Sobressaltada, olhou para o relógio, era quase meia-noite... Levantou-se a correr. Quem seria àquela hora?
S. R.
Muito bom. Fiquei "em pulgas" para saber o resto.
ResponderEliminarAbraço e saúde
Muito empolgante.
ResponderEliminarAguardo ansiosamente por mais.
Beijinhos.
Acompanhei até aqui, vou acompanhar até ao fim.
ResponderEliminarBjs
Também gosto! 😘
ResponderEliminarBom dia de nova semana, querida amiga Elisabete!
ResponderEliminarMuita emoção envolve toda trama.
Uma história comovente.
Senti um carinho pelo Pipo.
Quanto ao próximo capítulo, não perco de jeito nenhum, se Deus quiser.
Tenha uma nova semana abençoada!
Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem
Que narrativa emocionante a encher-me de curiosidade. Muito bem escrito, com todos os ingredientes necessários para nos emocionar e desejar saber o que vem a seguir.
ResponderEliminarUma boa semana com muita saúde.
Um beijo.
Me ha encantado este capítulo, como en las buenas novelas y esto lo es, estoy deseando conocer su final.
ResponderEliminarBesos
Li de um fôlego, com o coração nas mãos.
ResponderEliminarAgora fico ansiosa por saber a continuação/fim.
História empolgante.
Aproveito a vinda aqui para lhe desejar, assim como a todos os seus, um feliz Natal, com muita Paz e, principalmente, saúde.
Continuação de boa semana.
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
Excelente narrativa! Você consegue prender o leitor!
ResponderEliminarAté eu fiquei curiosa para saber o que tinha naquela caixa...
Boa escrita, com ingredientes capazes de trazer emoção viva.
ResponderEliminarParabéns, Sandra
Beijo
SOL da Esteva
Olá, amiga!
ResponderEliminarHoje venho apenas e simplesmente desejar-lhe
Festas Felizes!
Muito boa a narrativa. Vou acompanhar os próximos capítulos!
ResponderEliminarDesejo um Natal pra ti e todos os teus com muita fé, esperanças e muita paz.
Que a maior promessa do Ano Novo seja o fortalecimento da nossa fé, e esperança de dias melhores.
Um abração!
Uma brilhante narrativa que nos aguça a curiosidade.
ResponderEliminarDentro do possível, com segurança e em paz, desejo um Feliz Natal e um Excelente Ano Novo, pleno de tudo de bom.
Beijinhos
Sei que este ano não foi fácil para ninguém, apesar disso que o Natal seja festejado com Amor, Saúde e Paz.
ResponderEliminarAbraço e saúde
Querida Sandra, ainda há tempo para fazer chegar a ti, meus votos de um Feliz Natal e Próspero Ano Novo! Tudo de Bom! Abraço fraterno! Laerte Tavares.
ResponderEliminarComo sempre, um capítulo que nos prende da primeira à última palavra!...
ResponderEliminarJá na expectativa do que se passará em seguida...
Beijinhos! Votos de continuação de Festas Felizes, para ti e todos os teus!
Tudo de bom!
Ana