(Escolham uma das músicas em cima à direita no Blogue para acompanhar a leitura. Espero que gostem. Obrigada pelo carinho que me têm dado nestes meses. Não há palavras suficientes que o retribuam <3 )
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Capítulo I *
Capítulo II *
Capítulo III *
Capítulo IV * Capítulo V *
Depois
daquela mensagem que me enviaste por engano, eu percebi que tinha que aceitar
que o tempo acabou por te arrancar de mim e não havia nada a fazer senão
esperar que, ele também, no meio de tantas voltas, desse uma contravolta. Se
aconteceria ou não, não tinha como saber, mas tinha que continuar a viver,
tinha que te tirar da minha cabeça, mesmo que nunca te conseguisse tirar do meu
coração.
Uns
dias depois, encontrámo-nos para entregar as cartas. Eu estava pronta para me
ir embora mal cheguei, não queria voltar a sentir todas aquelas emoções, aquela
força poderosa que me atraía para ti, mas tu pediste-me para ficar, para
falarmos, não consegui dizer-te que não. Descemos até à praia e, embora não
gostasses de andar na areia de sapatilhas, deste-me a mão para eu passar as
pedras e descemos juntos pela praia deserta. Não estava frio nem sol, era um
dia de inverno calmo e claro, mas, mesmo que caisse uma tromba de água naquele instante,
não importaria, porque estavas ali comigo.
Conversámos,
rimos, paramos a ver o mar, as ondas a desfazerem-se a centímetros dos nossos
pés, abraçaste-me mais vezes do que eu esperava, vimos o horizonte juntos, o
mesmo que vimos separados de lados opostos tantos anos, e depois de caminharmos
pela longa extensão de areia, paramos mais uma vez a olhar para o mar, parei ao
teu lado e enquanto via os barcos no horizonte tu beijaste-me a cara levemente,
surpreendida olhei para ti. As ondas pareciam ter parado. Se eu tivesse virado
a cara um segundo antes, os teus lábios teriam tocado nos meus novamente. Quem
me dera tê-lo feito. Abanei a cabeça e ri-me para ti, tu percebeste que isso
poderia ter acontecido, sorriste para mim com aquele olhar maroto que tens sempre
que fazes algo que não deves, seguraste as minhas mãos, olhaste-me nos olhos e
agarraste-me, abraçaste-me, durante tanto tempo, que me pareceu um sonho. Se eu
pudesse não sair mais de dentro daquele abraço…
Quando
me largaste, estavas sério, e, entregaste-me a carta. No envelope tinhas
escrito “Cápsula do Tempo”, que me arrancou um sorriso, mas logo a seguir um
aperto no peito, porque não sabia o que me terias escrito. Guardei-a no bolso
como se guardasse a coisa mais preciosa
que alguma vez me deram, provavelmente era... Talvez ali lesse que um dia me
amaste mais do que tudo. Depois daquele momento horrível na estação de comboio,
eu não podia esperar outra coisa, senão uma despedida, uma oportunidade que me darias para fazer o meu luto de há 26 anos
atrás. Mas seria possível fazer esse luto? Quando nos morre alguém querido, o luto é longo mas sabemos que nada
mudará isso… Mas, fazer o luto dum sentimento, quando a pessoa ainda está aqui,
à nossa frente, parece-me tão impossível como acreditar que é possível mandar
no coração, porque, por mais que a razão nos diga que acabou, o coração vai
procurar sempre uma forma de se saciar de esperança…
Entreguei-te
a minha carta e concordamos em lê-la nesse mês ainda. Escolheste a data e a
hora, e juramos abri-las apenas no dia 23 de Dezembro, às 5h09pm. Não sabia o
significado da data, mas disseste que eu iria lembrar-me.
Cada
dia que passou com o envelope dentro da minha gaveta, cada minuto que peguei
nele e o olhei como se me pudesse dar uma resposta, foi uma prova de força e de
resiliência para mim… e com os dias fui ganhando a coragem para mudar o que
podia ser mudado. Fui sincera com o meu marido, não podíamos continuar a viver
como dois inimigos, não havia razão para isso, tínhamos sido tão amigos antes
de namorarmos… Depois de uma longa conversa, percebi que ele estava de acordo
comigo. Ouvi-lo admitir que era um espírito
livre e que, por mais que gostasse de mim, não conseguia viver amarrado a vida nenhuma, doeu, mas não
somos todos iguais. Tínhamos confundido amor com amizade e ficámos presos a um
sentimento forçado que nunca existiu, estávamos destinados a ser amigos, grandes
amigos, com um filho. Aliviados, percebemos que como amigos éramos os melhores
e abraçamo-nos com uma tristeza pela mudança mas ao mesmo tempo o peito estava
mais leve. O nosso filho seria mais feliz agora.
Não
te contei que me tinha separado durante alguns dias, não me apetecia falar
sobre isso com ninguém ainda. Estava quase a chegar o dia, eu continuava sem
descobrir a escolha da data. Estava nervosa, não sabia que me terias escrito, só
desejava que não escrevesses sobre ela… Tentei tirar-te da cabeça aos poucos,
mas o coração agarrava-te, sem piedade de mim.
Era
dia 23, faltava um minuto para abrir a tua carta… Quando te escrevi a minha,
não sabia que data colocar, falei-te em inventar uma e em não assinarmos a
carta, para a podermos manter connosco sem perigo, e depois de muito pensar,
não sei bem porquê mas parecia-me bem, escolher o ano em que nascemos, só o ano,
o início da nossa vida, a primeira vez que os nossos corações bateram ao mesmo
tempo, a primeira vez que respiramos o mesmo ar, a primeira vez que sorrimos, o
nosso primeiro acordar. Escrevi três folhas, e resumi o que aconteceu na minha
vida e tudo o que fui sentindo por ti, antes de te ter visto, quando cá estiveste
e, a cada ano, desde que partiste. Escrevi como te amei, como te tenho amado,
como te continuarei a amar para sempre. Pedi-te perdão por não ter lutado por
ti, por não ter confiado em ti o suficiente, por não ter apanhado um avião e corrido
até ti quando o mundo desabou entre nós. Fomos ingénuos… Pedi que nunca me
esquecesses, que se um dia fosses livre lutasses por mim, mesmo que eu tivesse
construído uma parede entre nós, que nunca desistisses de mim, porque dentro do
gelo, estaria o meu coração a bater por ti, quente.
Tinha
chegado o momento, mandaste-me uma mensagem para o telemóvel “Chegou a hora”,
eu respondi-te “Vou abrir”. Abri o envelope, tinha três folhas, como a minha, quando
vi a data da carta senti um arrepio no corpo todo, um choque, como se tivesse
parado de respirar por um segundo, pestanejei, olhei novamente para a data, tinhas
escolhido o mesmo ano que eu, o ano em que nascemos… O meu coração começou a
bater com mais força. Desde que tinhas voltado que um universo de coincidências
recaía sobre nós a toda a hora, esta era mais uma. Li a tua carta com
dificuldade, estava tão nervosa, o meu coração batia com tanta força, que
sentia o sangue a correr, as pálpebras pareciam vibrar ao ritmo do coração, não
conseguia focar, como se existisse uma nuvem à minha frente e as mãos tremiam
tanto, encostei-me à parede e respirei fundo, na esperança de me acalmar, li a
tua carta como quem procura a água no deserto, procurava ali uma esperança para
o meu coração desesperado por ti.
Fiquei
sem palavras quando percebi que a tua carta era a carta que eu nunca recebi, aquela
que eu devia ter recebido se ninguém te tivesse enviado uma carta falsa a
fingir que era eu a terminar tudo contigo, a resposta à última carta que te escrevi
eu, estavas a dar continuidade à nossa história… Tínhamos novamente dezassete
anos. Contavas-me que estavas a fazer exames para a universidade… falavas tudo
o que não me tinhas dito na altura, nos teus pais, nos teus planos, no nosso
futuro juntos. Como te lembravas ainda tão bem de tudo o que eu te tinha
escrito nas minhas cartas há tantos anos? Será que também as lias todas as
noites como eu?
Quando
cheguei ao fim da carta, fiquei sem ar, perdi a força nas pernas mesmo encostada
à parede e tive que me aninhar para não cair… Ainda não tinha lido tudo mas quando
virei para ler a última página vi, em letras enormes “Amo-te”. Tentei
acalmar-me porque estavas a escrever no passado e não no presente. Voltei para
as linhas, onde estava, para ler até ao fim e na última linha da tua carta tinhas
escrito: “Amo-te até ao infinito”. Tive
que me sentar no chão, as lágrimas corriam pela minha cara, eu não percebia o
que se passava, estarias a tentar dizer-me que ainda me amas, que me amarás
eternamente? Não podias escrever isso se soubesses que agora não seria verdade…
Não podias… O meu coração agarrou-se àquela frase como se dela dependesse para
bater, e eu mantive-me no chão sentada, sem uma palavra para te dizer… Tu
também não me disseste nada e assim ficámos, os dois, em silêncio e à
distância.
À
noite mandaste-me uma mensagem para o telemóvel a perguntar se eu estava bem,
que haveria eu de dizer senão que sim? Disseste-me para eu ir à minha caixa do
correio que encontraria lá algo. Peguei nas chaves, saí de casa e desci as
escadas do prédio a correr, quando cheguei às caixas fiquei parada. Eras tu, tu
próprio que ali estavas. Ainda a alguns metros de mim, mostraste-me a tua mão,
não tinha aliança, eu levantei a minha também. A sorrir vieste abraçar-me e
disseste que não podias esperar mais. Subimos, quando entrámos contámos tudo um
ao outro. Éramos livres.
Perguntei-te
a razão da data para abrir a carta, e tu sorriste, “5 era o dia, 9 era o mês e 23
era a hora, em que demos o nosso primeiro beijo”. Fiquei sem resposta e pedi-te
desculpa por não me ter lembrado… Deste-me a tua mão e disseste-me que tu é que
me devias mil desculpas. Por me teres mentido quando disseste que não sentias
nada por mim… Por me teres mentido quando disseste que a mensagem no comboio
não era para mim, porque era, ias-me ligar, mas impulsivamente escreveste ”Amo-te”,
e sabias que se o admitisses estarias novamente a trair alguém, tinhas que
ficar livre primeiro para mo dizer olhos nos olhos, e disseste, tal como
escreveste na carta: “Amo-te até ao infinito, hei-de amar-te para sempre”. Eu senti
a Terra a girar em contramão, parecia um sonho, mas não era, felizmente não
era, finalmente estávamos juntos, prontos para continuar o caminho que nos foi
cortado, finalmente eras meu e eu era tua, para sempre…
Sem
medo, aproximaste-te de mim, eu sorri, não podia acreditar, finalmente davas-me
o beijo, aquele beijo com que sonhei estes anos todos, aquele beijo pelo qual
chorei tantas noites, aquele beijo que ansiei com a força dum mar bravio que
desbrava o mundo se for preciso para tocar na terra, aquele beijo que tinha
ficado por dar, quando partiste há vinte e seis anos… “Amo-te, amar-te-ei até ao infinito”
Sandra Reis