Quando eu era pequena íamos muitas vezes ao Porto. Sempre gostei do Porto. Não sei se mais do que agora que vivo no Porto, era simplesmente diferente, eu era criança e quando somos crianças vemos tudo duma forma especial, vemos para além do que os outros vêm, vemos pormenores que tornam as coisas profundas e sempre, mas SEMPRE, belas.
Quando crescemos entendemos coisas que não entendíamos e vemos pormenores reais e tristes que não víamos, vemos as coisas duma forma mais realista e objectiva. As pessoas que dormem no chão
enroladas em tapetes ou dentro de caixotes, outros que pedem nas ruas, tantas lojas
que fecharam e ficaram assim, abandonadas, as casas tão bonitas, agora devolutas, o turismo, que é bom claro para ajudar a reconstruir a cidade, mas de que certa forma, vai tirando aos poucos alguns pedaços da identidade tripeira. Mas a verdade, é que neste momento, não falta nada no Porto.
Agora vejo a cidade e vivo-a todos os dias, porque moro nela, e é diferente, não é um olhar atento como era, não é um olhar fascinado como era, é um olhar de orgulho, mas às vezes o caminho passa-nos ao lado, porque quando vemos algo todos os dias,
por vezes, esquecemo-nos de o apreciar e ver realmente, como quando somos crianças.
Lembro-me do enorme choque que tive quando tiraram o jardim da Avenida dos Aliados, lembro-me de pensar "que crime...", não podia
acreditar, como poderiam fazer algo tão mau, tantos anos percorri aquele
jardim, quando vinha de Espinho saía na Estação de S. Bento para apanhar outro comboio na Trindade,
passei ali tantas vezes, corri ali, admirava as esculturas entre as
flores e o jardim, e de um momento para o outro, transformam todo o
verde num enorme tapete de betão porque um homem que se senta na cadeira do poder não gosta de aves por perto, um
homem que proibiu os portuenses de alimentar gatos ou cães abandonados
na rua e com ameaças físicas, um homem que queria destruir os jardins do palácio de cristal, que corta árvores que nos dão ar e sombra, um homem que cortou na cultura mas gastou em alcatrão para corridas de carros, um homem que queria matar todas as aves do Porto, um homem
sozinho que quase tornou o Porto numa cidade mais cinzenta e insalubre do que nos anos da revolução industrial e
"esqueceu" que a cidade é dos portuenses e não dele... Não consigo evitar de mostrar o meu desprezo por esta pessoa, por todo o mal que fez à cidade, às pessoas e a todos os seres...
Lembro-me de descer a Avenida da Boavista de Eléctrico, a ver o mar à minha frente e a sentir o vento no cabelo, as portas de abrir e fechar que não eram portas, mas eram fascinantes para mim.
Lembro-me de achar a Estação de S.Bento enorme e fascinante, não dum ponto de vista estético, como agora, havia algo ali, talvez as histórias das centenas de pessoas que chegavam e íam embora, acho que era isso.
Lembro-me de passar a ponte Maria Pia de comboio e como era pequenina não via as grades da ponte e fingia que estava a voar, quando entrávamos no túnel lembro-me de ficar tudo escuro e de conseguir ver as paredes, o som ficava diferente dentro do comboio, até um cheiro mais quente e abafado, e acho que eram três os túneis por onde passava até ver a chegada a S. Bento, e entrar na estação depois do túnel era uma chegada tão mágica como se chegasse à cidade do Pai Natal.
São tantas as memórias, nunca mais acabam...
Os vendedores de bolacha americana na rua e de batata frita na praia. Ainda lhes sinto o cheiro :)
No entanto o Porto está neste momento numa fase incrível de renascimento. Seria terrível deixar o Porto morrer, tem tudo para ser uma cidade inesquecível. Neste momento fico contente porque vejo o Porto renascer a cada esquina, sei que levará tempo e muito trabalho, mas é um começo. E a vida é assim, feita de começos, pequenos, grandes, curtos, longos, mas todos com história, histórias que se contarão um dia mais tarde.
Estou plenamente de acordo consigo, a antiga avenida com os seus lindos jardins era mais bonita e mais aprazível. Nem sempre a mudança é para melhor..
ResponderEliminarÉ verdade. Beijinho
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