Este blogue é um ponto de encontro com amigos desconhecidos que se reconhecem nas palavras e nos gestos, aqueles por vezes tão comuns que deixamos de reparar, até alguém nos voltar a falar deles, como se fosse a primeira vez.

Música

28 de julho de 2017

Avassalados








 

Ele era uma alma apagada
Seguindo devagar pela névoa
Como um soldado sem honra
Sem espada, sem escudo, sem nada
As enormes montanhas eram pequenas
Os vales não lhe haviam chegado
Só queria desaparecer
Não se sentir esvaziado

Numa noite o nevoeiro desapareceu
Ele acordou, levantou-se
E sentiu que algo aconteceu
As árvores tinham flores
As nuvens desapareciam
Havia água nas nascentes
Mil raios de sol nasciam

Ao fundo do estreito caminho
Numa pequena clareira,
Avistou-a,
Talvez mais perdida que ele,
Entre as árvores, sozinha sentada,
Uma trança a cair do ombro
Lágrimas na cara molhada
Tal gotas de orvalho
Numa floresta devastada

Ela ouviu os passos
Levantou a cara devagar
O homem de cabelos compridos
Aproximava-se, a olhar
Incrédula, abriu os lábios
E o ar, antes por ela rejeitado,
Entrou-lhe nos pulmões
Como se fosse empurrado

Ele viu-lhe a face
Os enormes olhos castanhos
Com que tanto sonhou
Os lábios que havia beijado
Avassalado
O coração dele parou

Na névoa de cem mil espadas
O medo não o deteve
Não tinha medo de morrer
Noite após noite
Só tinha medo
De não a voltar a ver

Debaixo deles, o chão estremeceu,
E na clareira entraram
Cem raios de sol vindos do céu

Ela ergueu-se do chão
E, para ele, correu
Abraçando-o, tão forte
Que os raios de sol fendeu
De tantas noites sem saber
Se nos seus braços
O voltaria a ter 

Quando a sentiu
Ele chorou
Sem fôlego
A beijou,
Nos olhos, na boca
Tudo, ao tempo, retornou

Ao compasso do sol
O tempo tinha voltado
Do mesmo sítio,
Onde, sem pressa,
Um dia havia parado.


S.R.

2 comentários:

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