Hoje de manhã quando fui à
varanda, senti a brisa de outono da minha cidade, aquela que agora quase nunca
vejo, por obra do destino. Entramos agora em setembro e estou mais longe do mar
do que naquela bela cidade em que cresci e vivi a minha vida toda sempre com o
mar a 100 passos do meu portão, mas por alguma razão hoje quando saí para a
varanda ainda em pijama, pude viajar até lá, sentir o cheiro, a temperatura, a
brisa… Pousei as mãos no parapeito e simplesmente fechei os olhos, inspirei o
ar, ouvi o burburinho da brisa nas folhas das árvores, e por segundos eu estava
de volta à minha vida, à minha casa, à minha infância, à minha adolescência, à
minha cidade.
Ainda há muitos que me dizem que não
gostam dela, e em forma de juízes dizem que não é uma cidade, mas uma aldeia. Se fosse uma aldeia não seria uma aldeia
bonita na mesma? Há centenas de aldeias lindas em Portugal! Mas
como pode alguém não gostar dela? Talvez a achem uma
aldeia porque todos se conhecem ali, nenhuma caminhada ao fim do dia é
semelhante a um passeio por terras estranhas, por entre gentes desconhecidas,
porque todos se conhecem, todas as caras são familiares, há uma sensação de não
solidão quando se anda na rua. Ao contrário de outras cidades, como no Porto
por exemplo, pode-se viver lá uma vida inteira sem se conhecer sequer a cara
dum vizinho.
Para mim e para os meus amigos conterrâneos,
nenhuma cidade é como a nossa, quando estamos longe não há dia que não pensemos
nela, não há dia que não desejemos lá voltar como um bebé recém-nascido que deseja
o calor da mãe. Crescemos com um sentido e um amor “patriótico” pela cidade.
Porquê, perguntam-me muitas vezes. Ao que respondo “Não sei… Talvez porque é
uma cidade completa, como todos queremos ser, e só quem nela cresce pode
entender”
É cidade especial. Embora agora
mais envelhecida, com alguns sinais de abandono e esquecimento, e para quem lá
volta, muito lhe possa parecer diferente, continua a haver aquela ligação forte
e inexplicável que nos permite ver além
do que é visível, que nos permite reconstruir cada pedaço destruído com os
nossos olhos e recordar tudo como se nada tivesse mudado a não ser os nossos
cabelos, cada vez mais prateados.
Cada rua tem memórias, cada
quarteirão, cada lugar, cada esquina, cada janela… Nada é impessoal e tão vulgar
que nos passe ao lado, nada fica esquecido. Os azulejos de cada casa, a
distância entre cada árvore, os gatos de cada esquina, as flores de cada
canteiro, os baloiços dum parque de terra, os bancos vermelhos do jardim onde as
nossas mães nos vigiavam, as lojas pequenas e simpáticas, os trilhos, a bicha
das 7 cabeças, os montes, as ruas que descem retas e todas na mesma direção, o mar.
Crescemos com aquela praia sempre
perto, cada rocha tem um lugar na nossa lembrança, cada onda, cada pegada que
ali fizemos, fosse verão ou inverno. Aquela areia não é apenas um porto de
descanso para bronzear no verão, ali, a praia, enquanto crescemos, vai-se
transformando numa espécie de amiga, como um cão ou um vizinho, que nos
acompanha ao longo dos anos, a quem nos habituamos e afeiçoamos profundamente.
O mar então, é um forte, onde encontramos coragem, equilíbrio, inspiração.
Sentamo-nos virados para o mar, atrás de nós outros continuam o “passeio dos
tristes” que completa o dia, à nossa frente as ondas desfazem-se na areia. A
imagem é tão intensa que conseguimos apagar completamente todos os passos,
gargalhadas e conversas atrás de nós. Todos os nossos sentidos se esvaziam de
tudo, de tão completos que ficam com a imagem, cheiro e som do mar, que nos
invade tão rapidamente como uma flecha do cupido.
A minha cidade é completa, não lhe
falta nada, a não ser todos aqueles que tiveram que partir por obra do destino.
Faltam eles e falto eu dentro dela de vez em quando, para me sentir feliz e
inteira, para me sentir eu, como sempre fui, como sempre serei.