Este blogue é um ponto de encontro com amigos desconhecidos que se reconhecem nas palavras e nos gestos, aqueles por vezes tão comuns que deixamos de reparar, até alguém nos voltar a falar deles, como se fosse a primeira vez.

Música

23 de julho de 2020

8000 Noites





Como a luz duma estrela que não se apagará, que continuará a brilhar por milhares de anos depois de se ter extinguido, estará ele... Não se extingue, não explode, nem implode, não é de hidrogénio nem de hélio, mas existe, na minha vida, na minha história, no meu mundo, tem um coração a pulsar, sangue nas veias a correr, e brilha mais que qualquer estrela do espaço… E cegou-me o coração, quando o voltei a ver.
S.R.


8000 noites


Há mais de 8000 noites a lua viu o nosso primeiro beijo, e todos os que se seguiram… Guardou os nossos segredos e guardou o último beijo, aquele que nunca demos…

Há 8000 noites fizemos uma promessa de amor. Pediste que esperasse por ti, disseste que se olhasse para a lua falarias comigo através dela… prometeste voltar…
Durante anos foi a lua que nos abrigou nas noites de solidão, onde quer que tu estivesses eu estava, e sentia a tua mão a agarrar a minha, enquanto os nossos pensamentos velejavam no oceano equilibrados no reflexo da lua.

8000 noites nunca seriam demais para nós… Mesmo nas noites de solidão em que as nuvens encobriam a lua e parecia que o nosso amor era um caminho de sentido proibido, nada nos separaria… A não ser uma carta, uma carta minha, que eu não escrevi, e que te partiu o coração em pedaços, te fez desaparecer, sem um adeus…

Tentei superar todos os demónios e gritar naquele momento de silêncio ensurdecedor. Desejava que me conseguisses ouvir, me esticasses a mão e me voltasses a abraçar, e o brilho das estrelas dentro de nós, finalmente, voltasse a cintilar. Mas o meu chão rachou, abriu, e engoliu-me quando vi que escrevias um novo capítulo, e o sorriso ao teu lado não era o meu… e percebi que as promessas são nuvens que ocultam o sol, tempestades que destroem e depois se dissipam como se nunca tivessem existido…

Durante 8000 noites, caminhei à procura dum motivo, duma força, de um amor, por ruas e vielas, subi, desci, desviei-me, tropecei, caí, ergui-me, vi esperança, vi escuridão… Mas não podia amar ninguém, porque não eras tu… As pedras não me magoavam os pés, na escuridão não havia sombras e os cacos do meu coração já não podiam partir mais…

Os anos passaram como o rasto deixado pelos faróis em estradas cheias de movimento, sem desvios, sem paragens, sem descanso. As nossas vidas mudaram, vezes sem conta, e enquanto seguíamos, a cada recta, a cada curva, a cada desvio, na rádio soava sempre a nossa canção, como uma luz que nunca desaparecia, fosse qual fosse o tamanho da escuridão.

Nas páginas novas que eu imprimia com as minhas pegadas, mesmo nos becos mais solitários, quando chegava a noite, ali estava a lua, a iluminar-me, a acalmar-me, a sussurrar-me prateada que, apesar de tudo, apesar do tempo, onde quer que estivesses, todas as noites nos sentaríamos na beira duma janela imaginária, juntos…

Durante 8000 noites, não consegui deixar de esperar por ti, corri para a janela à procura do teu brilho, na lua, nas estrelas. Foste o meu primeiro passeio na praia ao luar, o primeiro pôr-do-sol apaixonado, a minha primeira flor, as primeiras gargalhadas escondidas, o primeiro segredo, o primeiro coração que desenhei, a primeira carta de amor, a primeira canção, o primeiro poema, o primeiro desejo, o primeiro amor, a primeira mão que me agarrou, o primeiro beijo que dei…

E 8000 noites depois… quando parecia impossível… tu voltaste… Embora tivesses uma nova história, tu tinhas que voltar para honrar a tua promessa, mesmo que desses ao mundo mil razões credíveis, para não admitires, nem a ti próprio, que também voltavas para reencontrar um pedaço de ti. E, quando te vi à minha frente novamente, quando me voltaste a abraçar, foi como se emergisse da água depois de um mergulho mais longo do que poderia aguentar e finalmente pudesse respirar.

Eu não sabia se me tinhas esquecido ou se tinhas medo de te lembrar, mas a cada sorriso, beijo e abraço que me davas eu sentia um impulso no meu coração. Abalroados por um mar de revolta, que nos sacudia e abraçava ao mesmo tempo, perdidos num turbilhão de sentimentos, por uma segunda oportunidade que nos tinha sido roubada, num momento a que não quisemos resistir, arrancamos a nossa oportunidade ao universo, era nossa…

E voltamos a sentir o carinho e o fogo, o desejo e a força que nos atraía, os cheiros, os sabores, o calor dos nossos corpos, e, quando os nossos lábios se tocaram, o mundo desapareceu, sem tempo, sem espaço, sem nada, só nós, e sentíamos o nosso primeiro beijo, puro, assustado, intenso, pela segunda vez.

Durante 8000 noites, julgamos que a lua tinha guardado, o nosso último beijo, aquele que nunca demos, mas afinal guardava o primeiro, aquele que selou uma promessa, se também seria o último não podíamos saber. Mas, para já, tinha chegado o momento de parar de esperar, de seguir em frente, tu na tua história e eu na minha, porque, estivéssemos onde estivéssemos, estivéssemos com quem estivéssemos, o que existia entre nós, seria eterno…

Todas as noites continuaríamos a sentar-nos na beira duma janela imaginária, juntos, e, quem sabe, um dia, os nossos caminhos se voltassem a juntar, nesta vida ou daqui a cem…


S.R.