(Carta escrita e enviada hoje ao Primeiro-ministro, Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Ministros, Representantes do Governo e dos Partidos, Deputados)
Por favor leiam e partilhem <3
Sou cidadã, sou mulher, sou mãe,
sou professora do 1º Ciclo, escrevo livros para crianças. Tento ensinar as
minhas filhas, os meus alunos, os meus leitores, todos os dias, sem baixar
nunca os meus braços ou descansar as minhas pernas, a respeitarem, a ajudarem, todos
os seres vivos, toda a Natureza. Quero que percebam que não somos só nós que sentimos
e sofremos, que o Planeta não é nosso, mas nós é que somos dele, que todas as
espécies são igualmente importantes.
Mas como explico às minhas
filhas, alunos e leitores, que num País de descobridores, de pessoas
inteligentes e capazes de encontrar soluções avançadas, ainda é permitido e
legal torturar seres vivos? Que ainda podemos caçar por “desporto” e não por
sobrevivência como o homem primitivo?
Que ainda podemos torturar touros e cavalos em arenas iguais às que se vêm em
ruínas da Era Romana?
Como lhes explico que todas estas atrocidades que são cometidas hoje, que
começaram milhares de anos antes dos Descobrimentos Portugueses, quando o homem
tinha que caçar para sobreviver, quando os homens eram bárbaros e pensavam que
era divertido torturar animais e pessoas, e que, apesar de todas as descobertas,
avanços e aprendizagens que fizemos desde há mais de 500 anos, continuam-se a
praticar estas tradições seculares, que mais devem a rituais macabros de
diversão e prazer, por pessoas que chamam cultura à tortura dum animal, dum ser
vivo senciente.
Definição
de cultura: “conjunto de costumes, de instituições e de obras que
constituem a herança de uma comunidade ou grupo de comunidades”
Portugal tem heranças bonitas. Heranças visuais, auditivas, tactéis...
Heranças que devemos preservar porque nos distinguem de outros povos, culturas
e civilizações. Heranças cruéis não são motivo de beleza para a história de um
País, duma nação. Queremos ser conhecidos pelo povo que tortura touros por
prazer, que caça raposas de forma violenta com paus e matilhas, por
divertimento, que mata patos e lebres a tiro porque é mais engraçado do que
atirar para um prato? Ou queremos ser conhecidos pelos nossos monumentos, pela
nossa história, pela música, pelo fado, pelo vinho, pelo artesanato local... Há
heranças a preservar, e heranças a esquecer, heranças que magoam animais e
pessoas, porque são erradas, são desumanas.
Como explicaria eu às minhas filhas, alunos e leitores que, nos dias
de hoje, seria parte da cultura e, perfeitamente normal, perseguir pessoas de
raças diferentes, enforcar homens que falaram o que não queriam que se falasse apenas,
queimar mulheres que faziam chás para dores, vender crianças para trabalho,
atirar pessoas aos leões para os ver a lutar até à morte? Evoluímos,
felizmente, em tudo isto, mas quando se trata de rituais com animais, de caça,
de circos, de tráfico de animais, de corridas, de touradas, etc etc etc, continuamos
na mesma?
Há uma diferença entre cultura e automatismo. As pessoas acreditam que
devem perpetuar a repetição de certos acontecimentos dos seus antepassados, só
porque eles os faziam, mesmo que sejam errados ou cruéis. Essas pessoas não
estão a partilhar ou a celebrar cultura, mas apenas a bloquear a passagem do
tempo, em vez de evoluírem.
Sinto orgulho no meu País quando o vejo evoluir, sinto orgulho quando
noutro país falam bem do nosso País, por ser lindo, por ter pessoas tão simpáticas,
pela arte de cada região, senti orgulho quando, finalmente, fizeram algumas
pequenas evoluções para proteger os animais que vão parar aos circos, quando
criaram a nova lei que deu um estatuto aos Animais, sim, fiquei feliz e com
orgulho de Portugal. Mas depois, o tempo foi passando e foram surgindo aquelas
“alíneas” que me mostraram que, afinal, estava tudo tão incompleto ainda… E fui
percebendo que, o novo estatuto de “animal senciente” não é para todos os seres
vivos, mas apenas para os animais domésticos (e não todos), e a nova lei não
protege os cães de corrida, os animais errantes, os cavalos que entram nas
touradas, as raposas que são caçadas, os animais que são maltratados nos
circos, os animais que estão fechados em canis sem condições… a lista é enorme…
Pensemos como uma pessoa que vê o País do lado de fora. Pensemos em
África, que vive numa extrema probreza e onde a caça é uma constante, acham que
se eles tivessem uma vida normal como nós, com salários e supermercados para
comprar comida, iriam caçar?
Vejam estas duas notícias, uma dum País de Terceiro Mundo e a outra
dum País de Segundo Mundo:
“O governo do Botswana
anunciou esta quinta-feira o fim da proibição da caça aos elefantes. A medida
foi justificada pelo impacto que o aumento do número de elefantes estaria a ter
junto dos agricultores e das populações.”
“Os quatro projetos
de lei do PAN, BE e PEV para a proibição da caça à raposa e ao saca-rabos foram chumbados esta quinta-feira no
parlamento com votos contra do PSD, PS, CDS-PP e PCP. (…) no sentido de
acabar com a possibilidade daquela atividade autorizada em Portugal entre
outubro e janeiro, inclusivamente com
recurso a paus e com matilhas de até 50 cães.”
Acho
que isto diz muito do nossos políticos,
pessoas que têm o poder de tomar
decisões importantes e humanas também, por nós, mas chumbam projectos de lei que acabariam com a tortura de seres
vivos, tais como nós. Como
explicar às minhas filhas, alunos e leitores, que os nossos adultos e
políticos, são pessoas sensíveis e preocupadas com o Planeta e os seres vivos,
se, realmente, mostram o contrário com as suas atitudes?
Há 10 anos atrás, a 4 de Junho de 2008:
“A transmissão da tourada pela RTP, prevista para as
17h de domingo, não poderá acontecer antes das 22h30, decretou o Tribunal
de Lisboa, que considerou o
programa «violento e susceptível de influenciar negativamente crianças e
adolescentes». A decisão foi tomada na sequência de uma providência
cautelar interposta pela Associação Animal que visava restringir a exibição
televisiva de touradas pela RTP.”
10
anos depois, em 2018:
“Conjunto
de 44 concelhos com atividade taurina
estão contra "discriminação" da proposta do Governo, que trava a
redução do IVA para 6%. Alcochete e Vila Franca de Xira já tomaram posição
contra ministra da Cultura”
O
primeiro-ministro espera que “a proposta que foi apresentada pelo governo seja
aprovada e que haja redução da taxa do IVA para espetáculos de teatro, de
dança, de música, mas que não haja
efetivamente uma redução da taxa do IVA para os espetáculos tauromáquicos”.
“Lamento”, “é errada essa proposta”,
“obviamente, se fosse deputado do PS votaria contra, “há uma divergência,
espero que a posição política do governo seja vencedora.”
Há 149 anos atrás, em 1870, quando tentaram voltar a introduzir as
touradas no Porto, estando a população em geral contra, o Comércio do
Porto escreveu:
"Vê-se que infelizmente se porfia no intento de introduzir nesta
cidade um divertimento contrário à
índole e hábitos dos seus habitantes, porém ainda que o não fosse, nem por isso ele deixaria de ser menos
condenável e digno de reprovação".
Quase 150 anos depois, 2019, ainda
há portugueses que gostam de ver o sangue a escorrer dos animais, ao vivo e a
cores, num dos maiores “espectáculos de horror” que conheci até hoje em
Portugal. Lembro-me de ver pinturas rupestres semelhantes às touradas, pinturas
do Paleolítico Superior, há mais de 15 mil anos!
Como vou explicar a todas as
crianças, que evoluímos tanto, na tecnologia, na navegação, na ciência, etc,
mas continuamos a ser tão ou mais negligentes e cruéis, que alguns
antepassados, com estes seres inocentes?
Para esta índole, encontro uma
explicação, ao contrário do que se diz por aí, e eu própria já o pensei, não é
ignorância, não é porque vivem numa aldeia sem acesso à informação, que não sabem
que os animais sofrem, os meus avós eram da aldeia e respeitavam e cuidavam dos
Animais. Também não é iliteracia, falta de formação ou conhecimento, vemos
muitas das crueldades a animais serem praticadas por pessoas com toda a
formação e mais alguma, por jovens universitários, entre outros. São as
desculpas que se arranjam, mas as pessoas não são ignorantes a esse ponto, as
pessoas sabem, mas, simplesmente, não querem saber, seja por falta de
sensibilidade, ou porque o prazer e a ambição são mais importantes do que a
compaixão e a dignidade.
Nenhuma tourada pode ser transmitida
pela RTP Internacional porque a maioria dos países não permite a sua divulgação
devido ao seu carácter violento, e ao poder que a televisão tem a moldar o
carácter das pessoas.
Só entrei uma vez numa arena, na
minha cidade, tinha 6 anos de idade e o meu pai levou-me à Tourada de Espinho,
para ver o Rui Veloso tocar, porque a tourada ainda existia mas ali já não
entravam touros há muitos anos! Digo-o com orgulho sim. Espero que as outras dezenas
de cidades tenham um dia Presidentes com a coragem de remar contra a maré, pela
justiça e pelo bem, pelo fim das touradas.
Porque agora não posso dizer às minhas
filhas, alunos e leitores, que as pessoas não querem saber dos outros, muito menos
dos animais, e principalmente quando têm “benefícios” em troca de decisões
erradas, porque eu quero que as crianças acreditem, no futuro, nos homens, na
vida, e que se tornem melhores do que somos agora. Que tomem as decisões
certas, que sejam ambiciosos sim, mas para o bem.
Deixo-vos apenas com um exemplo
de coragem, porque fez o que estava certo contra todas as probabilidades:
“Em 18 de Fevereiro de 2005 entrou em vigor a lei
"The Hunting Act", que proíbe a caça de raposas, renas e lebres, uma prática de 300 anos na alta sociedade
britânica e que tinha entre os fãs nomes como o príncipe Charles e sua
mulher, Camilla Parker Bowles. O governo do então primeiro-ministro Tony Blair aprovou uma das leis que mais
polémica causou nos últimos tempos na Inglaterra e País de Gales....”
Por fim, deixo aqui, uma pequena
citação do nosso Primeiro-Ministro, António Costa:
“Como homem da Liberdade tem
também de respeitar os cidadãos que,
como eu, rejeitam a tourada como manifestação pública de uma cultura de
violência ou de desfrute do sofrimento animal”.
Todos sabem que é errado, mas ainda
ninguém com o devido poder, teve a CORAGEM de o mudar. Por favor, sejam essa
pessoa, sejam Humanos, sejam justos. Quero dizer às minhas filhas, alunos e
leitores que se orgulhem de Portugal, que os Portugueses são um povo de coragem,
humanidade e justiça, um povo cheio de história e heranças, um povo que
defende, respeita e protege TODOS os Seres Vivos.
Sandra Reis