Este blogue é um ponto de encontro com amigos desconhecidos que se reconhecem nas palavras e nos gestos, aqueles por vezes tão comuns que deixamos de reparar, até alguém nos voltar a falar deles, como se fosse a primeira vez.

Música

12 de maio de 2016

A minha própria porta mágica


Há alguns anos atrás era tudo muito mais simples... É verdade que eu era mais nova e a vida parece mais simples quando somos ainda raparigas, mas isso é uma história para outro dia.

Naquele tempo, não há muito, talvez há uma década e meia, não tinha internet nem google, apenas uma máquina de escrever, com a sua própria porta mágica para o desconhecido e maravilhoso mundo.

O cheiro da tinta cravada no papel, o mistério da palavra seguinte, apenas os meus dedos e a minha imaginação, palavra a palavra, eu criava os meus próprios sonhos, eu delineava um percurso imaginário sem olhar para trás.

Agora, o computador faz isso (sem a fragrância da tinta) e mil outras coisas mais, mas distrai, e pior, torna-nos dependentes.

Eu abro o meu portátil, espero, faço login, abro o Word, espero outra vez, e, ali estão elas, inúmeras possibilidades, tipo de letra, tamanho, estilo, alinhamento, espaçamento, margens, etc etc etc, nunca mais acabam, nunca nos sentimos verdadeiramente satisfeitos porque a escolha não tem limites. Além disso, quando finalmente nos habituamos ao programa e sabemos os sítios de cada opção quase de olhos fechados, lançam um novo Microsoft Word, com todas as opções e muitas muitas mais (que nem sequer precisávamos realmente), todos elas agora dispostas em sítios diferentes no programa... bem... um desperdício de tempo e energia ...

Depois temos a internet e os motores de busca ... Já não se consegue fazer quase nada sem consultar o google primeiro, apenas porque está ali e sentimos que nos dá todas as respostas e certezas, mas não é verdade, não pode responder tudo, podemos pesquisar e pesquisar, mas o que está dentro de nós é só nosso e só nós podemos ver e descobrir, nem google, wikipedia, ou outro qualquer, poderá responder sobre o que sentimos, precisamos ou queremos ...

A minha máquina de escrever era a minha máquina do tempo, num instante eu podia estar em qualquer momento e em qualquer lugar da minha imaginação. Sentia-me em harmonia, podia ouvir as folhas das árvores a cair através da janela, o vento a soprar nas caleiras, a minha própria respiração, enquanto carregava em cada uma das suas teclas como se fosse um piano e cada letra uma nota a dar vida a uma nova música.

Mas mais importante que tudo isto, eu podia ouvir-me a mim, os meus pensamentos, as minhas ideias, o mais profundo do meu ser, sem perguntas, sem incertezas, sem interrupções, podia ouvir-me a mim, apenas a mim.

S.R.

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